O tempo passa, o mundo muda, mas é curioso notar que o atual jornalismo esportivo brasileiro, ao mesmo tempo em que conta com excelentes profissionais, produz alguns ‘cientistas da bola’ capazes de oferecer equações para solucionar problemas que vão desde questões administrativas a fatores climáticos. Estes também não se cansam de repetir, e adotar como novos, discursos usados muitas décadas antes.
No livro Realidade, 1966-1968, tempo da reportagem na imprensa brasileira, o jornalista J.S. Faro reproduz e analisa a matéria da revista Realidade sobre a decepcionante campanha na Copa de 1966, na Inglaterra. O Brasil, bicampeão mundial, sofreu com uma série de erros na preparação – incluindo a convocação inicial de mais de quarenta jogadores – e saiu ainda na primeira fase.
‘`Mas o que aconteceu? Onde está o futebol brasileiro?´, perguntavam os repórteres. Na resposta, uma lista interminável de críticas, entre elas a ante-visão de que `o futebol de hoje exige preparo físico, tática, trabalho de equipe e planejamento inteligente. Exige, enfim, dirigentes à altura do desafio. Por desgraça nossa, não os tivemos´. Era a modernização chegando ao futebol, substituindo a velha concepção – ainda segundo os jornalistas – do exclusivo brilho individual dos atletas como condição determinante das vitórias.’
Os abusados e os acuados
Quarenta anos depois, o time que disputou a Copa da Alemanha, em 2006, era formado por jogadores de qualidade indiscutível e, até antes do mundial, vinha fazendo partidas memoráveis. No momento mais importante, porém, os dribles e as trocas de passes envolventes deram lugar a um futebol burocrático que não foi capaz de resistir à atuação impecável do francês Zinédine Zidane. Após a eliminação, o que até então era vendido por boa parte da mídia como ‘a alegria brasileira’, passou a ser oba-oba. Habilidade sem seriedade e comprometimento não seria suficiente. Era isso, segundo os ‘especialistas’, que estava faltando.
Nesse contexto, o surpreendente anúncio de que Dunga seria o treinador da Seleção não era de todo incoerente. Ele não simbolizava tudo o que faltou na campanha anterior? As críticas fariam sentido? O fato de o ex-volante assumir o posto sem experiência anterior realmente o descredenciava? A alegria inconsequente não demandava um novo ‘discurso da eficiência’? Afinal, o que queriam os profissionais da imprensa? Instalava-se nesse ponto a origem de uma relação conflituosa.
Tentemos entender a difícil convivência entre os ‘profissionais do futebol’. De um lado, jornalistas que têm como base do seu trabalho o questionamento mas, por vezes, passam dos limites; e do outro, aqueles que se sentem acuados e, também exagerando, respondem soltando impropérios para quem quiser ouvir. As entrevistas coletivas, muitas vezes, passaram a ser nada mais do que campos de batalhas.
Um passo em falso
A passagem de Dunga como treinador é um bom exemplo disso. O treinador, a cada crítica, se sentia perseguido. Não apenas pelo trabalho que vinha desenvolvendo, mas também pelo que julgava uma incoerência do discurso da mídia. Não era ele, com seu futebol de poucos recursos, o sinônimo de uma coletividade eficaz? A eficácia desejada não exigiria um ‘tranco’ na improvisação do futebol-arte? Em jogo, estava o sentido preciso da ‘Era Dunga’. As ambiguidades das análises feitas em jornais e televisão eram consequencia de sua primazia. Não seria exatamente o taticismo, hoje condenado, a origem do jornalismo baseado em dados estatísticos e previsibilidade total? Onde o dunguismo dos campos contrariou o das redações?
O ‘grande erro’ de Dunga foi explodir antes da hora. Após a conquista da Copa das Confederações, passou a desafiar os interesses daqueles que não queriam apenas comentar, mas também dirigir a Seleção. Em 2002, muito antes de pensar em ser técnico, afirmara em entrevista à revista IstoÉ Gente que ‘Scolari carregará para o resto da vida o mérito de ter mantido suas convicções e, com elas, ter levado o Brasil ao penta’. Dunga desejava repetir Felipão e, por isso, comprou uma briga da qual dificilmente sairia triunfante. Tratava-se de uma imensa caminhada que poderia ser interrompida por causa de um simples passo em falso. Assim foi, e ele perdeu. Mas fica a pergunta: além dos holandeses, alguém venceu?
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Estudante de Jornalismo, Rio de Janeiro, RJ