Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O espírito eleitoral em cometas, abelhas e sapateado

A propaganda via televisão têm grande repercussão. Às vezes são melhores que os programas que patrocinam. A história da TV pontua as agências como produtoras independentes e definitivas na evolução do veículo, pois criavam parte da programação. Faustão anuncia os intervalos comerciais como ‘o show da publicidade brasileira’. Elas estão no imaginário do povo. Difícil esquecer dos filmes das gotinhas Esso; os porquinhos dançando cha-cha-chá das Casas da Banha; o lendário ‘Quem bate? É o friiio…’ ou ‘Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada…’ e as formiguinhas enlouquecidas com um aparelho de som onde batiam e voavam. Santa criatividade!

Classificada por Quesnel e apontada como ‘máquina de lavagem cerebral, empresa de imbecilização e de embrutecimento das massas’, o conceito de publicidade difere do de propaganda, nas discussões dos profissionais. Propaganda é a divulgação de idéias de modo persuasivo, com nítidas intenções ideológicas (político-partidárias, religiosas etc.) e a publicidade, divulgação de produtos por anúncios comerciais. Para o telespectador são utilizadas com o mesmo sentido.

‘Uma linguagem já falada’

Tem ar de novidade a impactante campanha publicitária, voluntária, criada pela W/Brasil para o TSE buscando a reflexão dos eleitores na escolha dos candidatos nas eleições de 2008. São seis filmes veiculados em duas fases e que promovem a conscientização dos brasileiros. Na primeira fase, os filmes Cometa e Carro evoluem em cima do conceito de que quatro anos demoram muito a passar, principalmente quando as coisas não vão bem. Nos outros filmes, Abelha, Sapateado, Círculos e Emoções, o bom humor e apelo ao absurdo nas mensagens da mulher que anda em círculos, ou do celular com mensagem emotiva, mostram o perfil light do ato de votar tão importante e pouco esclarecido aos eleitores. A conotação abre o leque de significados. O mundo fictício para revelar o mundo verdade.Uma novidade bem-vinda do TSE.

A metáfora utilizada como estratégia de persuasão, a arte de convencer, é recurso precioso, pois torna o telespectador interativo na decodificação das mensagens. Ele constrói o seu entendimento na percepção da associação dos comportamentos dos filmes com o seu universo. O eleitor, em casa, em qualquer canto do país, seja doutor ou lavrador, várias vezes ao dia, identifica o prefeito incompetente que vira a abelha irritante no ouvido ou ‘sapateia, sapateia’ e a cidade não cresce. Umberto Eco diz que ‘a comunicação publicitária fala uma linguagem já falada e exatamente por isso se torna compreensível’. Depois de ver na TV, na praça, o povo diz ‘O fulano (o prefeito) é igualzinho…’

Terreno fértil

Nessa campanha, o que é mais forte? A imagem ou a redação? A força da peça pode estar na simbiose da mensagem icônica (da imagem) e da mensagem escritural (o texto escrito). Segundo Luiz Carlos Yasbeck, em A arte dos slogans, ‘Barthes vai levantar a necessidade de estudar o conjunto texto/imagem quando afirma que uma das operações mais importantes se dá nessa confluência. Assim, o texto escrito ou fornece a chave do sentido, conduzindo a leitura da imagem, ou a destaca em relevo, explicando-a, guiando a interpretação’.

Segundo o autor, a imagem traz vários significados, o texto dá unidade e o sentido da campanha chega claro, intencional. E aqui, especificamente, cruel. O rei está nu.

Se a publicidade pode transformar o relógio em jóia, o morro em condomínio de luxo, ou vender às mulheres frascos expressos de capital juventude, a campanha das eleições de 2008 esclarece, educa, estimula o raciocínio e promove o esclarecimento sobre administrações equivocadas e capengas. A possibilidade de mudança no cenário das prefeituras favorece os candidatos que não estão na administração, promove a reflexão para que as pessoas prestem mais atenção na política e que, se a safra de prefeitos e vereadores é ruim, está na hora de mudar.

A análise remete ao estímulo ou mensagem oculta para votar em candidatos que não estão no poder. Não se deve prestigiar os que estão nos gabinetes, na ciranda da comparação, no foco, na visibilidade da lente? E comparar com nova possibilidade de governo, de renovação, é terreno fértil na preparação do eleitorado para as eleições em 5 de outubro. E para a votação de presidente em 2010.

Políticos chegam como cometas, de tempo em tempo, viram abelhas no ouvido, fazem o povo andar em círculos, sapateiam para lá e para cá e só nos emocionam.

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Jornalista, professor universitário e mestrando em Comunicação