Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O esquema do esquema

Há mais de uma década lemos as notícias sobre a falta de médicos na rede pública de atendimento. As mesmas reportagens mostram declarações de governadores, prefeitos e seus secretários, dizendo as mesmas explicações cíclicas sobre contratações emergenciais, concursos rápidos e cadastro de profissionais. Resumidamente: não funciona e jamais vai funcionar.

O salário de um médico na rede pública fica próximo a 15 reais por hora de trabalho. Como a carga horária não é cumprida integralmente – o famoso ‘esquema’ –, digamos que esse pagamento pode subir para 30 a 40 reais a hora trabalhada. Mesmo com o esquema, a quase totalidade dos médicos fica nesse emprego até que apareça qualquer coisa melhor, na rede privada, em outras unidades públicas ou mesmo buscando um esquema melhor na mesma estrutura. Com exceções, a regra é essa. Alguns governos anteriores (e este também, ao que parece) acharam uma boa ‘solução’ contratar médicos em estruturas militares – bombeiros, por exemplo, acreditando que assim teriam mais controle sobre a assiduidade. Só não contavam que a maioria pediria demissão tão logo possível, incapaz de tolerar o regime de trabalho com o salário aviltante.

Não se pode defender o esquema, mas talvez seja justo querer pagar suas contas em dia, com um salário condizente com o nível de preparação, não?

Mensagem de otimismo

Quem lê já deve estar pensando em culpar o sindicato ou o conselho regional, mas eles são apenas aquilo que fazemos deles. O primeiro, abandonado, relegado a repetir as mesmas reclamações após as mesmas reportagens sobre a situação da saúde, com uma adesão ínfima de profissionais sindicalizados e as mesmas figuras pétreas no comando (?), manobrando para permanecer no cargo a cada eleição. O conselho faz o que a maioria quer fazer: cuidar do seu próprio umbigo, não encher a paciência com essas coisas de ‘ética’, controle social etc. Faz festinha, jornal colorido e…, bem, não atrapalha o doutor na sua escalada social. Isso explica o sucesso da anedonia política no conselho: a vontade dos médicos.

A novidade mesmo fica por conta dos serviços privados de saúde, que começam a ter falta de profissionais. Como ?! Para quem não é da área, uma rápida olhada nos classificados dos jornais poderá mostrar como aumentam as ofertas em anúncios grandes. O que se ouve, mesmo entre recém-formados, é que preferem ficar sem trabalhar, ganhar menos, mas ter um emprego onde o esquema seja razoável. Em algumas áreas, onde já sobram vagas de residência, nem pagando melhor se consegue alguém qualificado. Nem com esquema.

Nenhum governante vai investir em qualificação profissional na área, nem sonhem com isso. É caro, demorado, imperceptível para o usuário comum e não rende voto em quantidade relevante. Assim como as universidades públicas, habilmente desmanteladas desde a década de 80, o serviço público de saúde agonizante tende a transferir suas mazelas para o serviço privado, onde o nivelamento por baixo já começou, com fácil predição de como vai terminar. Não há uma mensagem de otimismo para finalizar porque para mudar essa realidade vamos precisar de mais do que temos, seja na administração pública, nas escolas médicas ou nos hospitais. Mesmo nesses, o esquema venceu.

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Médico, Rio de Janeiro, RJ