MAOMÉ
Muçulmanos saem às ruas contra charges
‘Centenas de muçulmanos protestaram ontem no Paquistão contra a republicação das charges do Profeta Maomé em jornais dinamarqueses. Os desenhos foram publicados inicialmente em 2006. Os jornais resolveram recuperá-los depois que a inteligência dinamarquesa descobriu um plano para matar um dos cartunistas.’
INTERNET
Música digital vai além do download
‘A morte do CD, definitivamente, está a caminho. Apesar de os números oficiais ainda não terem sido divulgados, a indústria brasileira do disco faturou em 2007 cerca de um terço do que havia conseguido em 2000, mesmo com um crescimento de 185% nas compras de música digital via internet e celular.
Diante desse cenário, os artistas e as empresas buscam novos modelos de negócio. Um deles é a assinatura, onde o consumidor paga uma mensalidade e pode baixar quantas músicas quiser de um catálogo. Outro é a venda de música com equipamentos – existem celulares e tocadores de música digital que vêm com músicas pré-instaladas ou dão ao consumidor o direito de baixar uma quantidade predefinida de canções. Uma terceira possibilidade é a música gratuita, sustentada pela publicidade.
´O problema é que se ganha muito pouco com disco´, afirmou Pedro Bonifrate, da banda psicodélica Supercordas, que colocou seu primeiro disco, A Pior das Alergias (Midsummer Madness), para download gratuito na internet, no site da Trama Virtual. `Preciso vender 60 discos para receber o valor equivalente a um disco em direitos.´
Os sistemas de troca de arquivos (também chamados de peer-to-peer ou P2P), principal pesadelo das gravadoras, podem servir para divulgar o artista. `Sou entusiasta do Soulseek (um dos serviços P2P)´, disse Bonifrate. `Sem esse serviço, minha cultura musical seria mais limitada. Quando gravamos o disco, fomos os primeiros a colocá-los no Soulseek para os amigos baixarem.´
A internet mudou o relacionamento dos consumidores com a música, principalmente os mais jovens. Uma matéria publicada pela revista Economist há algumas semanas contou uma história interessante. Em 2006, a EMI reuniu alguns adolescentes em sua sede em Londres para conhecer seus hábitos de consumo de música.
Após a entrevista, os executivos da gravadora mostraram uma pilha de CDs em cima de uma mesa e disseram que os adolescentes poderiam pegar o que quisessem, por terem participado da pesquisa. Ninguém pegou nenhum CD. Descobrir que aqueles consumidores não queriam os discos nem mesmo de graça foi mais importante do que qualquer coisa que tinha sido dita durante a conversa.
Setenta e seis por cento das compras de música digital no Brasil, durante o ano passado, foram feitas pelo celular. `Existe uma grande procura por fulltracks (músicas completas), que até nos surpreendeu´, afirmou Marco Lopes, diretor de marketing da TIM Brasil. Os clientes da operadora podem baixar músicas completas da loja virtual da TIM e pagar somente o tráfego de dados. A maior parte das vendas ainda é de toques de celular. `Nem todos os modelos suportam fulltracks.´
Em 2006, a Sony Ericsson lançou um modelo de celular que vinha com todas as músicas do CD Carrossel (Sony-BMG), do grupo Skank. `Vendeu mais de 50 mil cópias e foi ?celular de ouro?´, disse Lopes.
Criada em 2000, a iMusica é pioneira na venda de música digital no País. `O mercado ainda está no início´, afirmou Felippe Llerena, diretor-executivo da empresa, que tem mais de 1,5 milhão de canções disponíveis. Entre os novos modelos de negócio, ele destacou os acordos de conteúdo patrocinado por uma marca. No ano passado, as balas Tic Tac lançaram uma promoção com a Warner em que duas caixinhas compradas davam o direito ao download de uma música.
Fora do Brasil, o MySpace, que abriga os perfis de 10 milhões de bandas de todo o mundo, tem uma parceria com o serviço Snocap, de venda de música digital. As bandas podem colocar uma janela do Snocap em sua página do MySpace, para que os fãs comprem suas músicas. `Queremos fechar um acordo parecido aqui´, disse Luiz Cesar Pimentel, diretor de Conteúdo do MySpace no Brasil. `Hoje, o artista pode ter um relacionamento direto com os fãs´.’
Sérgio Augusto
Na internet, quem diria, o livro impresso é campeão de vendas
‘Qual o produto mais comprado pela internet?
Música? Não. Videogames? Tampouco. Eu disse comprado, não baixado.
Pornografia? Também não. Verdade que os sites de pornografia, busca e relacionamento são os mais acessados no mundo inteiro (os de golfe, só nos EUA); mas, no quesito compra, o campeão – nem dá para acreditar – continua sendo o livro.
Soube disso pelo Nielsen/NetRatings, o reputado verificador de consumo online. Dados recolhidos em 48 países revelaram que 41% dos 875 milhões de e – consumidores compram mais livros do que qualquer outro objeto de consumo. Em miúdos: oito em cada dez internautas encomendaram pelo menos um livro, nos últimos três meses, a livrarias virtuais como a Amazon e que tais. Um aumento de 20% em relação a 2005.
Brindemos! A Guttenberg, pelo livro; a Tim Berners – Lee, pela web; e a Jeffrey Bezos, pela Amazon, pioneira no comércio eletrônico.
Fala-se muito em crise do livro, em decadência da leitura, indiscutível calamidade mundial, maior e sempre crescente na faixa juvenil. Aqui e ali ações afirmativas vêm sendo estimuladas, nenhuma de comprovada eficácia. Para aumentar o interesse de seus teenagers pela leitura, as autoridades educacionais britânicas se socorreram no casal Richard Madeley-Judy Finnigan, que há quatro anos comanda um Clube do Livro num vespertino talk show do Channel 4. Cada título recomendado pelo casal pode vender até mais 3.000% do previsto. Os estudantes ingleses foram liberados para ir nas águas de Richard & Judy, desde que reservem um espaço em seu programa de leituras para uma peça de Shakespeare e a obra de um autor do período 1300-1800.
O prefeito socialista da pequena cidade agrícola de Noblejas, no miolo da Espanha, resolveu apelar para o que alguns céticos chamam, com todas as letras, de `suborno´: um prêmio de 1 (ou R$ 3) a toda criança e adolescente por cada hora de comprovada leitura nas bibliotecas escolares. A juventude espanhola tem um dos piores índices de leitura e depreensão da União Européia, em parte porque figura entre os que mais precocemente abandonam os estudos.
Nas Américas, só os canadenses preferem ler um livro a ir ao cinema e ver televisão. Quatro em cada dez canadenses lêem pelo menos um volume por mês. Superam os americanos (73% dos quais leram apenas um livro entre agosto de 2006 e agosto de 2007) e, com mais exuberância, os ingleses, um quarto dos quais não abriu um livro sequer em 2007.
A mais conspícua exceção à regra, na terra da polícia montada, é o primeiro-ministro Stephen Harper, tido como homem de poucas luzes, notadamente pelo escritor Yann Martel, autor de Book of Pi, que a cada duas semanas lhe envia um livro, acompanhado de uma carta, educada, mas provocativa. Martel não desiste de tirar Harper da inércia cultural. Seu bombardeio literário começou com as Meditações de Marco Aurélio, o último dos cinco bons imperadores romanos (Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio, os outros), mas até agora o primeiro-ministro não passou recibo.
Os americanos andam tão preocupados com o desprestígio do livro (e da palavra impressa de modo geral) que o NEA (National Endowment for the Arts), a Funarte dos EUA, montou um programa nacional de incentivo à leitura, operando a todo vapor, e com invejável dotação, em 50 Estados da União.
Nem assim, nem com a ajuda do clube do livro da Oprah Winfrey, os EUA entraram no Top Ten do Nielsen. O auspicioso aumento de 7,5% na venda de livros, lá registrado em novembro passado, não ocorreu no comércio online, mas nas próprias livrarias. Os americanos são menos high tech para certas coisas do que se imagina – além do que preferem o saudável contato físico com os livros proporcionado pelas livrarias, lá numerosas e bem distribuídas pelo país. Menos ligados em livros estrangeiros, seu trânsito por livrarias virtuais estrangeiras é bastante comedido.
Onde, afinal, mora o maior número de compradores de livros pela internet?
Na Coréia do Sul.
Apenas duas potências do G-8, Alemanha e Reino Unido, aparecem entre os dez primeiros colocados. A Alemanha, bem: em segundo lugar, com 55% de compras online. O Reino Unido, mal: em décimo, com 45%. A Áustria, com 54%, pegou o terceiro lugar. Os demais são países emergentes, como Vietnã (empatado com a Áustria), Egito (49%), China (48%), Índia (46%) e Formosa (vulgo Taiwan, com o mesmo porcentual do Reino Unido).
A liderança da Coréia do Sul não deve ser motivo de espanto. Antes de transformar o Instituto Dom Barreto, de Teresina, na melhor escola de ensino médio do Brasil, o matemático Marcílio Rangel de Farias foi aprender o caminho das pedras na Coréia do Sul, que muito ainda nos tem a ensinar em matéria de educação.
Surpreendente, espantosa, assombrosa – e sobretudo alvissareira – é a presença do Brasil entre os cinco maiores compradores de livros pela internet. Por incrível que pareça, ocupamos a quinta colocação, com 51%, logo abaixo da Áustria e do Vietnã e um pouco acima do Egito. Se houvesse um G-8 de internautas livrescos, o Brasil faria parte do grupo, assim como dois de seus três companheiros de Bric, Índia e China.
Festejemos. Mas com moderação.
Se consumir livros num país com 2,4 milhões de analfabetos na faixa etária que vai dos 10 aos 29, mais não sei quantos milhões de idosos que não sabem ler nem escrever, é exclusividade de uma elite, mais elitista ainda é o segmento que adquire parte de suas leituras online. E não apenas porque tal procedimento exige, no mínimo, um computador e um cartão de crédito.
Já ocupamos o 72º lugar no ranking dos países que mais se utilizam da internet. Além do México, batemos a Argentina, que, no entanto, possui mais livrarias, gente alfabetizada, e uma taxa menor de evasão escolar no ensino médio. Se me propusessem, e fosse possível, permutar esses índices, eu toparia. Quando nada porque nossas vantagens no campo da informática são menores do que nossas desvantagens no que me parece ineludivelmente prioritário: mais livrarias e escolas (de qualidade) para todos.
Consta que a venda de livros no Brasil cresceu 15% em 2007, e que em função disso uma gráfica precisou de 400 toneladas de papel a mais para dar conta das encomendas. Editores e livreiros exultaram, atribuindo o aumento à eliminação de alguns impostos (PIS, Cofins), ao maior poder aquisitivo das classes C e D, e ao interesse de crianças e adolescentes por histórias de aventuras.
E se na tal gráfica que precisou aumentar seu estoque de papel em 400 toneladas só imprimiram bobagens, como, digamos, livros didáticos de deplorável qualidade? Terão os eventuais afluentes das classes C e D influência benéfica sobre a pasmaceira há tempos vigente nas listas de best sellers? E se o aumento de 15% favoreceu acima de tudo (ou apenas) os livros de auto-ajuda e autores como Dan Brown, Nora Roberts e John Grisham?
Mas voltemos ao consumo online, que, por tabela, virou o grande assunto das últimas semanas. Não por causa de nossa surpreendente colocação no ranking de compras de livro – pois nenhum jornal da terra disso deu notícia – , mas do escândalo dos cartões corporativos, também utilizados em transações via internet, e por outra espécie de elite.
Passei os olhos na imensa lista de objetos adquiridos por nossas autoridades e servidores públicos, mediante cartões corporativos do governo federal, e nela não encontrei um escasso livro.
Os perdulários do erário compraram de tudo – roupas, jóias, bijuterias, vinho, azeite, flores, cosméticos, lembrancinhas, óculos de grife, sutiãs importados, artigos de cama e mesa, lanternas, guarda – chuvas, bolsas, sapatos, guloseimas, colchões, piscinas, enxovais, artigos de pelúcia, faqueiros, fogão, adega climatizada – até mesmo tapioca incluíram no rol. Livro? Nenhunzinho.
Que a ex-ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, não tenha sequer adquirido uma revista na banca do aeroporto de Brasília para se abanar, tudo bem. Mas como explicar que nem o reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, tenha acessado o site de uma livraria para, com uma fração ínfima dos R$ 470 mil de recursos da Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos) gastos com lixeiras, saca-rolhas, abridor de latas, taças de vinho, liquidificador e outros itens caríssimos, comprar um livro? Podia até ser de culinária, já que, pelo visto, sua biblioteca é a cozinha.’
TELECOMUNICAÇÕES
Centrais questionam fusão entre Oi e BrT
‘A Força Sindical disse que vai exigir da Oi um compromisso formal de que não haverá demissões após a compra da Brasil Telecom (BrT) para não questionar na Justiça a transação, que está sendo negociada entre as duas operadoras de telefonia. Os dirigentes sindicais querem garantia de emprego de três a quatro anos para os atuais trabalhadores da Oi e da BrT.
Ontem, representantes da Força e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) disseram que o BNDES informou, em reunião de conselho, a representantes das duas entidades, que o novo grupo nacional iria contratar pessoal.
´A nossa impressão é que não adianta dizer que não vai demitir. Conhecemos muito bem como funciona uma empresa dessas. Ela não vai ter dois trabalhadores para o mesmo fio de telefone, para fazer a mesma instalação. Na prática, sabemos que vai ter demissão, e ter demissão usando dinheiro público é intolerável´, disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva.
Ontem, representantes da Força e da CUT pediram esclarecimentos ao BNDES se haveria demissões na nova empresa de telecomunicação e se o financiamento que o banco concederá a controladores da Oi afetarão outros projetos, como as obras de infra-estrutura do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O banco indicou que não faltarão recursos.
Segundo o diretor da CUT, João Felício, que representa a entidade no conselho do banco, o BNDES deu garantias verbais de que a operação não geraria desemprego. Presente ao mesmo evento, o representante da Força, Ricardo Tosto, disse que `o BNDES assumiu o compromisso de não ir contra os conceitos da Força´.
Há duas operações sendo preparadas. Numa delas, os sócios Andrade Gutierrez, do empresário Sergio Andrade, e La Fonte, de Carlos Jereissati, vão comprar ações de sócios e consolidar o controle da Oi. O BNDES financiará essa operação com cerca de R$ 1,8 bilhão. Em paralelo, a Oi comprará a BrT, sem financiamento do BNDES. O negócio pode ser anunciado na próxima semana.’
LITERATURA
Uma voz sufocada
‘Em 1991, o escritor argentino Tomás Eloy Martínez, colaborador do Estado, buscava inspiração para uma nova história. Certa noite, sentiu desejo de narrar a trajetória de Evita Perón, mítica primeira-dama da Argentina, mas logo desistiu. `Eu havia recém-lançado um livro sobre Juan Domingo Perón (O Romance de Perón) e não pretendia me transformar em um `peronólogo´, brincou ele, em conversa por telefone, desde New Jersey, nos Estados Unidos. `Foi quando me lembrei de um pequeno texto que escrevera anos antes, na Venezuela – bastaram algumas alterações e surgiu A Mão do Amo.´
O livro, que marca uma rápida transição do jornalista-historiador para o sociólogo-poeta, está previsto para chegar hoje às livrarias, sob a chancela da Companhia das Letras (168 páginas, R$ 36). Ao contrário das mirabolantes histórias que marcam seus demais livros, aqui a trama pode ser resumida em um punhado de frases – festejado desde menino como um talento raro, Carmona é um cantor dotado de voz absoluta (ou seja, capaz de executar todos os registros, do mais agudo ao grave) que não consegue, no entanto, saborear a fama, limitando-se a ficar em sua cidade interiorana. O motivo é a teia de amor e ódio que o mantém preso a uma arquetípica mãe castradora, para quem o dom do filho é apenas um objeto de satisfação de seus caprichos.
Mesmo depois da morte da Mãe (Martínez escreve com maiúscula, expandindo seu espectro e quase a tornando uma entidade), Carmona não abandona o lar sombrio, obrigado a cuidar dos gatos deixados por ela, bichanos com quem mantém uma relação doentia. Isolado, ele busca explicações para seu fracasso, o que transforma a narrativa em um jogo de labirintos familiares. A saudade, o álcool e, especialmente, a conturbada relação com a Mãe, de quem sente repulsa e atração, amor e ódio, parecem condená-lo.
Martínez conta que escreveu o texto em 1978, quando vivia em Caracas, exilado pela ditadura militar argentina. É inevitável, portanto, identificar, na tensa relação entre Mãe e filho, ecos de um momento em que a sociedade vivia sufocada. `O livro é produto de um sonho, como o que acontece com toda minha obra, com exceção de O Romance de Perón. É um livro que reflete obsessões e pesadelos.´’
***
´Censura nos deixa velhos e surdos´
‘Tomás Eloy Martínez vive em New Jersey, nos Estados Unidos, onde atualmente é diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos da Rutgers University. Lá, acompanha de camarote o processo das eleições americanas, como comenta na seguinte entrevista.
Esse seria o livro no qual você fala mais profundamente do poder?
Creio que sim, de uma forma alegórica ou simbólica. O poder se exerce na área pública, mas, quando acontece na vida privada, é muito mais temível, forte, destrutivo. Nesse caso, começa na raiz da vida, que é a família. É o poder autoritário exercido pelos pais, sobre um jovem indefeso, que tem uma voz incomum. O Romance de Perón era muito realista e próximo do factual. Aqui, eu quis mostrar os limites mais avançados do romance, que vão muito além da realidade. Encontrei recentemente um livro de Haruki Murakami, Kafka on the Shore, que também tem uma relação com gatos. Os meus são seres inteligentes; na obra de Murakami, os gatos falam. Há muitos pontos semelhantes, sobretudo nessa ampliação da realidade. Gosto de ler romances que avançam os limites estilísticos. O que se passa com os personagens depois de encerrada a história? Procurei dar uma resposta neste livro, que, na época, estava na contramão dos estilos, daí sua tímida acolhida. Só agora vem recebendo mais atenção.
Foi um desejo de escrever poesia?
Bem, é um romance lírico, mas quisera eu que fosse poesia! Ainda falta um trabalho mais apurado com a linguagem. Poesia é o texto de Clarice Lispector, por exemplo. Por ele, percebe-se que não é fácil alcançar a poesia em um texto narrativo.
O que se sobressai é uma metáfora sobre a censura contra a criação artística?
O exercício do poder implica também em censura contra a inteligência e o talento, que são as primeiras qualidades a serem reprimidas por terem o dom de estimular a insubordinação, a rebeldia. Nos governos autoritários, a cultura é o primeiro alvo da censura. Meu personagem Carmona, por isso, termina velho, surdo e quase sem sentidos, anulados pelo poder. O livro é uma reflexão sobre o passado político da Argentina, um país fracionado por uma espécie de trincheira, construída no século 19 para evitar as invasões indígenas. Hoje, permanece como uma espécie de cicatriz, que corta todo o país.
Sua obra é notadamente marcada por uma forte carga política.
Se o escritor traz vestígios políticos em sua obra é porque a política o impregna por inteiro, queira ele ou não. Isso é especialmente notável em nós, latino-americanos. Veja o caso de Jorge Luis Borges, cuja obra pouco traz características políticas: muitos de seus textos podem ser lidos como uma resposta ao peronismo. Mesmo em livros como Aleph, que supostamente não apresenta minúcias do presente. É preciso, isso sim, manter os olhos sempre abertos.
Nesse caso, uma obra diz mais sobre seu autor ou sobre o que ele projeta ser?
Ambas as coisas. A obra artística é como uma flecha que se dirige a um alvo. Não importa se ela alcança ou não esse alvo, mas sim que ela se movimente. Por isso, comparo o escritor a essa flecha: ele é o que é, mas também o que deseja ser, representado pelo alvo.
A Mãe, de A Mão do Amo, é uma mulher tirânica. Em O Vôo da Rainha, Camargo sofre também com a mãe, uma mulher que o abandona…
Antes que você termine, quero avisar que minha mãe foi uma ótima pessoa (risos). O que acontece é uma referência às mães dos tangos argentinos, sempre mulheres santas, boas, sacrificadas. O que pretendi mostrar é que uma mãe também pode ser má, vingativa, parricida.
Quando nasce essa relação de poder entre mãe e filho?
Trata-se de uma relação de posse, algo como o poder político sobre os cidadãos. A primeira versão dessa história foi escrita em 1978, durante meu exílio na Venezuela. Fiz, então, uma reescritura em 1991, mas, mesmo assim, o texto ficou impregnado da forte impressão provocada pela ditadura militar.
Como está acompanhando as eleições americanas?
Com muita atenção. Há uma briga evidente entre o conservadorismo (representado pelo republicano John McCain) e os liberais, que seriam os democratas. O que pode ser decisivo é essa notável demonstração de maturidade política dos jovens, finalmente interessados no processo eleitoral e com muita simpatia a Barack Obama. Mas acho difícil ser eleito aqui um presidente negro. Seria um grande avanço, especialmente em um país que carrega o peso de ser acusado de racista. Lembra-se da visita de Bush ao Brasil quando Fernando Henrique era presidente? Pois bem, ele ingenuamente confessou estar espantado com a existência de negros na população. Isso demonstra um certo racismo latente.’
Antonio Gonçalves Filho
Uma ópera-bufa com fantasma de mãe castradora
‘De todos os livros do argentino Tomás Eloy Martínez, A Mão do Amo (1991) é o que lhe parece ser o mais bem acabado. Ou pelo menos parecia até o lançamento de O Cantor de Tango (2004), novela com a qual guarda diversos pontos em comum, sendo o principal deles a excepcional voz de um homem. Em A Mão do Amo, esse homem de voz absoluta, capaz de imitar os trinados de Lily Pons e os agudos do contratenor Alfred Deller, é vítima de uma mãe castradora. Já em O Cantor de Tango, o homem da voz sobrenatural é um mito igualmente despedaçado pela realidade. Em ambos os casos, a voz única, inimitável, sucumbe ao peso da história – particular, no caso de Carmona, o protagonista de A Mão do Amo, e pública, no caso de Julio Martel, de O Cantor de Tango. Esse barítono de voz viril, fraseado delicado e nome de conhaque, que parou de cantar em 1959, aos 36 anos, é o personagem procurado sem sucesso por Bruno Cadogan, alter ego de Martínez em O Cantor de Tango. Nele, Martínez/Codogan empreende uma inútil peregrinação por Buenos Aires em busca de uma voz que desapareceu como a paisagem portenha da juventude de Borges.
Ao contrário do que faria mais tarde em O Cantor de Tango, Tomás Eloy Martínez, ao criar Carmona, ainda não estava interessado em resumir a história da Argentina partindo do (melo)drama de seus mitos – como em Santa Evita. Mais que uma vítima do poder da alegoria (da mãe pátria), Carmona é sufocado pela onipresença da arquetípica mãe castradora (ou Mãe com maiúscula, sem identificação nem origem, como prefere o escritor). `Mãe´ é, como nas primeiras páginas de O Estrangeiro de Camus, uma ausência no prelúdio desse drama operístico sobre a derrocada de um homem, conduzido à depressão, ao alcoolismo e à loucura por conta de suas alucinações com o fantasma da mater dolorosa. Aficionada pelas faculdades paranormais de Swedenborg e intrigada com a forma do paraíso, a mãe da Carmona adora gatos, além do filósofo e místico sueco. Considera-os criaturas divinas, vítimas de cristãos supersticiosos. Para seu azar, Carmona, após a morte da mãe, herda meia dúzia deles. São os gatos que conduzirão o contratenor às portas do `paraíso´, após serem sexualmente assediados e afogados pelo novo amo numa banheira.
A demência de Carmona é irritante – e exagerada – como a letra de um tango edipiano de Julio Navarrine, mas o talento de Martínez não desperdiça relações filiais em lágrimas. Faz do desejo de mimese uma força vulcânica para apagar os traços desse amor incestuoso que promete ao filho um paraíso ilusório em troca da voz que a mãe deseja apenas para si. E vai além nessa viagem xamânica borgiana em que a palavra é manipulada ao paroxismo em busca de insuspeitadas relações, como na lição inaugural em que mãe, ao ensinar o filho a ler, força-o a jogos perversos, como associar o verbo amar à `mão do amo´. Martínez sempre desconfiou do poder da palavra. Com justíssima razão.’
TELEVISÃO
Fôlego na reta final
‘E não é que, entre mortos e feridos, Sete Pecados emplacou? O penúltimo capítulo da trama de Walcyr Carrasco, anteontem, obteve 37 pontos de média no ibope, com 57% de share – que mede a participação na audiência. É um presente para a autora Andrea Maltarolli, que estréia sua Beleza Pura na segunda-feira.
Carrasco, até então conhecido como grande campeão de audiência às 6 horas – Alma Gêmea chegou a marcar 44 pontos – não teve a mesma sorte na sua primeira investida às 7 horas. Ele recebeu o horário com 33 pontos, média do capítulo final da antecessora Pé na Jaca.
Depois, vieram os percalços, as saídas de Cláudia Raia e Ailton Graça do elenco, ainda não explicadas. Sem Ágatha e Barão, os vilões da história, a trama parecia patinar – e até o motorista foi `promovido´ a vilão. Mas ainda estavam em cena Elizabeth Savala e o `ô, vida tirana…´ de Rebeca, além do `chique de doer´ de uma surpreendente Nivea Stelmann, como a Elvira.
Sempre acusado de repetir a mesma fórmula do pastelão de época às 6 horas, não se pode deixar de reconhecer que Carrasco arriscou às 7. E riu por último.’
DOCUMENTÁRIO
Invisíveis traz o drama de pessoas desprezadas pela mídia
‘O trabalho coletivo, em cinema, sempre traz um resultado desigual – inevitavelmente a obra de um diretor se sobressai em relação ao outro. Foi o que tentou evitar o projeto Invisíveis, que o Cinemax exibe hoje às 22 horas.
Produzido pelo ator Javier Bardem, virtual ganhador do próximo Oscar de melhor coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm Vez, o documentário mostra as diversas dificuldades enfrentadas por moradores de países pobres ou em eterno conflito armado.
Assim, são reveladas a rotina das vítimas da doença de Chagas na Bolívia, a doença do sono, os meninos soldados de Uganda, a violência contra civis no Congo e os camponeses sem terras da Colômbia.
A produção contou com a ajuda da organização Médicos Sem Fronteiras e foi dirigida por Mariano Barroso, Isabel Coixet, Fernando León de Aranoa, Javier Corcuera e Wim Wenders. Deles, Aranoa dirigiu o episódio mais bem-sucedido.
Ele acompanhou diversas crianças ugandenses que passam as noites vagando nas florestas em busca de proteção, fugindo dos soldados que as ameaçam de seqüestro. Um retrato pungente e dramaticamente real.’
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