Antonio Gramsci dizia que os jornais – e as revistas, claro – são a escola dos adultos. Lembrava também que, da mesma forma, cumprem papel de partidos políticos quando atuam de forma doutrinária. Ou seja: permanentemente são escola e partido, já que sua ação nesse sentido é contínua. Juntando tudo isso e mais a disposição de agregar público e firmar-se editorial e economicamente, chegamos ao que ele chamava de jornalismo integral.
Um jornal como a Folha de S.Paulo e uma revista como Veja, por exemplo, seriam, então, autores de jornalismo integral conservador, no mínimo.
Vejamos, com trocadilho mesmo, o caso da Veja: sua equipe soube de rumores sobre eventuais dossiês que estariam por ser preparados por segmentos do PT contra Serra e alardeou essa situação presuntiva como coisa dada e feita – mesmo mantendo suas matérias no condicional, o que por si já demonstra a fragilidade argumentativa do texto.
Perceba como eu coloquei todo o terceiro parágrafo como se fora uma situação volátil, gasosa, uma espécie de universo evocativo, um mundo de probabilidades ao mesmo tempo feérico e imponderável, cuja divulgação, todavia, causa rumor social. Ou seja: programa-se uma situação jornalística, cria-se um poliedro de especulações e temos uma notícia.
Sordidez do sensacionalismo
Em suma, temos um factóide. Temos, por isso mesmo, um boato. Um e outro são apenas palavras para definir o mesmo objeto social. Boato, diz John B. Thompson, é notícia não confirmada. Vindo a confirmação, é notícia mesmo. Faço um acréscimo às palavras de Thompson: o boato e o factóide têm algo de urdidura, distorção de fato primário ou até mesmo fabricação de falso fato primário.
Como toda notícia tem em si algo de sensacionalismo – se não fosse assim não seria notícia –, mesmo as mais sérias e tanto quanto possível objetivas, resulta que o boato/factóide, elevados à condição de notícia, têm sempre, e de forma prevalecente, esse dado de sordidez bem típico do sensacionalismo.
Campanha de difamação
E onde encontramos o sensacionalismo? Este é encontrado em sua face de desnudamento, exposição de terceiro a situação vexatória, como alguém que é indevidamente flagrado em momento íntimo. Esse momento íntimo pode ser algo lícito e comum à nossa condição humana, como o caso da princesa Diana. Na companhia do seu amante, seguia em carro que foi perseguido por paparazzi até sua morte. Os fotógrafos queriam expor aos olhos da curiosidade pública, voraz por assuntos de denotação sexual, a intimidade da vida erótica daquela mulher, trazida à tona como aquela que deixara de ser a princesinha de contos de fada para viver sua condição de fêmea. E fêmea lasciva, diga-se.
Outro caso de intimidade é a intimidade viciosa, aquela que tem laivos de imoralidade. Pronto. Foi aí que a Veja, veja só, investiu todo o seu cacife: a partir de verbos no condicional montou toda a matéria dos dossiês do PT contra Serra, como que dizendo: ‘Olhe só como eles são cruéis e malvados. Como eles são aéticos e imorais. Foram flagrados em pleno ato de planejamento de campanha difamatória.’
Só que, em processo metalinguístico, a campanha difamatória estava mesmo nos atos frasais da revista, que louvou-se em fatos facciosos, factícios e de ouvi dizer para montar, aí sim, campanha de difamação. Veja só… Veja só…
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Jornalista, professor do curso de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte