Há uma frase de Churchill: ‘Não se consegue a vitória apenas com recuos bem sucedidos’. Vale para a manobra da Globo para anular o Clube dos 13 e negociar diretamente com os clubes os direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro, quando percebeu que seria derrotada pela Record em um leilão.
Durante 40 anos a Globo consolidou um domínio na audiência da TV aberta, em cima de alguns pilares centrais: a rotina nas novelas e o controle absoluto sobre as transmissões de futebol, em cima de práticas anticoncorrenciais.
Para sustentar essa distorção, a Globo sempre procurou se posicionar acima dos partidos políticos. Era como se fosse o quarto poder da República.
Quando Roberto Marinho saiu de cena e terminou a era Evandro Carlos de Andrade, cedendo lugar à inexperiência truculenta de Ali Kamel, o modelo começou a ruir.
A proverbial habilidade política da Globo cedeu lugar a fantasias de derrubar presidentes, eleger presidentes e atuar como partido político. Perdeu o status institucional. E aí aparentemente o CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) foi liberado para fazer valer a lei, obrigando a uma disputa limpa pelos direitos de transmissão.
Pegou mal
O acordo com a Record – R$ 550 milhões para o Clube dos 13 – renderia R$ 42 milhões para o Corinthians. Com a proposta da Globo, cairá para R$ 20 milhões. Como os presidentes irão se explicar?
No contrato assinado com o Clube dos 13, a Record se dispôs até a dar uma vantagem de 10% para a Globo: ou seja, com até 10% de diferença, o lance da Globo poderia ser vendedor. A Globo não aceitou: queria 30%.
Ao longo de décadas a Globo montou uma rede de relacionamento informal, não com os clubes mas com os dirigentes, fechando os olhos para seus negócios paralelos.
Obviamente a proteção trazia implícita a mensagem de que dependeria das relações de lealdade.
A Record entrou no jogo com a ingenuidade de achar que poderia montar relacionamentos com os clubes da noite para o dia e confiar na palavra dada pelos dirigentes. Quando percebeu a extensão do jogo, e a puxada de tapete de alguns dirigentes, começou a preparar matérias de denúncias. Soou mal. Mesmo assim, não haverá como a Globo justificar a perda de receita dos clubes, caso fechem com ela.
Poder abalado
Antes, a Globo comprava todo o conteúdo do campeonato. Agora, o Clube dos 13 decidiu que o conteúdo é dele, que o revenderá de forma segmentada, para emissoras abertas, para TV a cabo, para internet.
Só o portal Terra – do grupo Telefonica – parece disposto a pagar R$ 100 milhões pelos direitos na internet; a Record mais R$ 550 milhões apenas pelos direitos para TV aberta, por apenas dois jogos por semana: um às 20h30 de quarta-feira, outro aos sábados ou domingos.
Seja qual for o resultado, o episódio marca o fim de uma era de predomínio das Organizações Globo. Continuarão influentes, mas não mais com o poder absoluto. E cada dia de vida, pelo visto, será um dia a mais para a Record. E um dia a menos para a Globo.