Todos sabemos que o futebol das últimas décadas tornou-se um negócio daqueles. Até mesmo as 10 frágeis equipes da primeira divisão suíça conseguem juntas faturar quase 130 milhões de euros. Essa é uma realidade que mesmo os mais apaixonados pelo esporte não podem desprezar. No entanto, este texto não traz saudosismos e romantismos da bola. Aqui tenho uma motivação, uma indagação e uma expectativa.
A motivação. Descobri tardiamente que o Diário de S.Paulo foi comprado. Veículo com quase 400 funcionários e o quinto jornal mais vendido na capital. Em franca expansão, o grupo Traffic de J. Hawilla é o responsável pela aquisição. Agora, o Diário deve se integrar à rede Bom Dia que permeia o grande ABCD e algumas cidades do interior, como Bauru, Jundiaí e Sorocaba.
A indagação. ‘A ligação com o merchandising fere o que um jornalista tem de mais precioso, sua independência e credibilidade.’ Este é um fragmento do novo livro de Celso Unzelte, Jornalismo Esportivo. Relatos de uma paixão, citado por Juca Kfouri em seu blog. Apesar desta afirmativa se referir diretamente aos programas de TV e rádio que exploram publicidade, não vejo como não relacionar esta crítica ao fato mencionado acima. Como um canal de imprensa noticia um indivíduo, empresa ou instituição que tem negócios com o dono do próprio veículo? Como o novo Diário de S. Paulo vai acusar a agressividade do futebol de Diego Souza, atleta cujos direitos econômicos estão nas mãos do proprietário do jornal? Quem deverá ser escolhido o melhor do campeonato? Quem deve ser convocado? Como não pensar que os interesses na promoção e valorização de atletas estarão atrelados às notícias? Este é o dilema infindável do jornalismo.
Os limites da ética
A expectativa. A complexa relação entre o dono do jornal e a notícia que ele permite publicar obviamente extrapola este nicho da imprensa abordado. Seja ele lúdico ou pernicioso, o significado dado à notícia é contaminado pelos interesses e a visão de mundo de quem escreve e de quem é responsável pelo órgão de imprensa. O texto é inerente ao seu criador. Falar da ilusão da objetividade e neutralidade tornou-se conversa vulgar para quem é um maduro jornalista. O conceito a ser usado agora é ética.
No entanto, ao falar da Traffic lembramos de uma empresa que está envolvida com as filiadas da maior rede televisiva do Brasil; com os direitos de transmissão da maior competição internacional de clubes da América; e com atletas e o clube finalista desta última competição transmitida pela mesma grande rede televisiva. Não sei quais os limites desta ética, mas espero, sinceramente, que não cheguem perto do que está acontecendo com o jornalismo esportivo brasileiro.
******
Pesquisador e mestrando em História Social do Futebol, São Paulo, SP