Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O herói que a mídia escondeu

Você por acaso já ouviu falar neste nome, Lucas Vezzaro? Não se incomode, você não é o único. Ele é um garoto que sem dúvida pode ser considerado um herói de verdade. Afinal, não é todo dia que um adolescente de 14 anos morre após salvar três vidas. Pouca gente ouviu falar nesse nome porque a mídia praticamente ignorou o acontecimento.

No dia 23 de setembro, o Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou a matéria de um ônibus escolar que caiu numa represa com quase 8 metros de profundidade na cidade de Erechim (RS), em 22 de setembro. O ônibus transportava 30 crianças e adolescentes, entre eles o corajoso Lucas Vezzaro, da zona rural para escolas na cidade. Foi no mínimo insensibilidade do telejornal ceder espaço de apenas uns 3 ou 4 minutos a esse acontecimento, pois foi um fato raro e de valor inestimável. Talvez pudesse ser destaque nos principais veículos de comunicação do Brasil.

Assim que o ônibus escolar caiu na represa, Lucas e outras crianças começaram a saltar pelas janelas. Como era ás na natação, o jovem herói não mediu esforços para salvar, uma de cada vez, sua prima Daiane Vezzaro e as amigas Márcia Bai e Angélica Mokfa. Mas quando voltava para salvar mais uma vida, outras crianças, por desespero, começaram a puxar Lucas para baixo, o garoto não teve forças para voltar à margem da represa e morreu afogado. A única coisa além do comum que o Jornal Nacional disse desse acontecimento é que o garoto se tornou herói em sua cidade (Erechim), apenas isso, no momento em que eram mostradas as imagens dos parentes de Lucas chorando em seu velório.

O que a mídia considera como valores? Então um adolescente salva três vidas, depois morre e a TV praticamente fica cega a esse fato impressionante? Ao tentar entender o porquê dessa postura, vem-me à memória os ‘famosos’ critérios de noticiabilidade prescritos pela teoria funcionalista da agenda setting, que adota os seguintes parâmetros para a seleção de notícias: 1) nível impactante; 2) ordem do dia e 3) hierarquia da notícia (realidade social, por exemplo).

Indo ao encontro das proposições da agenda setting, talvez o Jornal Nacional não considerou que o ato heróico de Lucas Vezzaro pudesse ser impactante, ou que não obedecia à ordem do dia. Há também de se considerar que muitas vezes um acontecimento distante do eixo Rio-São Paulo pode não faz parte da hierarquia de notícias das grandes empresas jornalísticas do Brasil.

Entretanto, nem mesmo o jornal online A Notícia, que é da Região Sul do país, deu destaque à bravura de Lucas Vezzaro. E ainda pior que o Jornal Nacional, pois sequer citou o heroísmo do jovem. No dia seguinte ao episódio em Erechim, a matéria ocupava um espaço irrisório na página eletrônica do jornal. É ainda mais decepcionante. Afinal de contas, A Notícia não se lembrou nem mesmo dos três principais mandamentos da agenda setting, mesmo estando ‘a um palmo do nariz’ de um verdadeiro herói.

Em se tratando de veículo de comunicação com grande representatividade no Brasil, consegui achar apenas na revista Veja alguma menção à bravura de Lucas. Na página 44 da edição do dia 29/9, a revista traz o título: ‘O pequeno grande herói’. Mesmo assim, não foi tão relevante. A matéria ganhou apenas uma página e seu desfecho foi o de uma matéria comum.

Ironia

No mesmo dia 23 de setembro, o Jornal Nacional teve, entre outras, matérias-destaque como as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o namorico entre Ronaldo e Daniela Cicarelli. Que ironia! Justo ao completar 35 anos no ar, o telejornal mais prestigiado pelos brasileiros comete esse pecado, o de dar espaço insignificante a uma atitude de valor inigualável. Ora, não é todo dia que alguém (ainda mais um menino) arrisca a própria vida para salvar outras.

O Jornal Nacional lançou até livro com as principais reportagens dos seus 35 anos, mas omite, logo depois, a coragem de um jovem brasileiro. Acho que está na hora de sabermos valorizar nossos verdadeiros heróis. E a mídia podia dar uma mãozinha nesse sentido. Pois, além de informar, um de seus principais papeis é ser formadora de opinião.

Eu não queria que a televisão, os jornais ou as revistas superestimassem ou elevassem em excesso a figura de Lucas Vezzaro, de forma alguma. Meu desejo era, na verdade, ver pelo menos uma matéria que se dedicasse a explorar o lado valoroso da atitude deste jovem gaúcho. Às vezes, a sociedade precisa ver e refletir sobre as coisas mais essenciais da vida.

Portanto, se você não ouviu nada a respeito de um certo herói, não se preocupe. Isso não quer dizer que você é mal-informado.

******

Jornalista