Quando trabalhei pela primeira vez no Globo, recebi a tarefa de entrevistar o cantor e compositor Tim Maia. Perfeito. Fã dele de carteirinha, eu sabia todas as suas músicas de cor e, de certa forma, elas também fizeram parte da trilha sonora da minha vida. O que eu não sabia era que não estavam me dando uma pauta simples; eu recebera uma verdadeira missão.
No primeiro dia combinado, lá estava eu, com o fotógrafo, no endereço que Tim me dera, uma casa no Rio Comprido. Não havia ninguém, muito menos o próprio. Voltei frustrada para a Redação, mas acreditando que deveria ter acontecido algo sério com o cantor.
Só consegui falar com ele dois dias depois. Ao telefone, Tim Maia foi bem sincero: “Eu tava de bode, dormi, não deu para ir. Mas vamos marcar para outro dia. É para o Globo, né?” “É, para o Globo Tijuca.” “Sei, eu morei lá, na Professor Gabizo. Você conhece o café Palheta?” “Conheço, era onde você, o Roberto e o Erasmo se encontravam.” “Ah, o Roberto, deixa para lá…”
Combinamos para a semana seguinte, em outro lugar dessa vez. Ele me deu um bom conselho no final do papo: “Liga para mim antes, vai que acontece alguma coisa.” (Naquela época não tinha celular.) Como acertado, telefonei já pronta para encontrá-lo. Uma moça atendeu e falou que não sabia onde o Tim Maia estava. Outro fora. Mas um jornalista não desiste…
“Eu tava numa churrascaria, perdi a hora, meu amor (ele já estava íntimo). Você é loira ou morena?” “Morena (desconversei). Então vamos remarcar para quando?”
Afinal, vale tudo
E assim foram oito bolos, oito papos ao telefone. Mas ele era muito gentil e sempre se justificava: a mulher que ele estava de olho deu bola, bebera demais, estava compondo a música de sua vida, não fizera a barba… Por fim, a revelação: “Você é uma gracinha, mas eu não quero dar entrevista para o Globo, não. Mas gosto de falar com você, podemos nos encontrar para tomar um uísque.”
Não nos encontramos, admiti para o meu chefe que a missão era impossível e continuei fã do Tim Maia. Certamente, as mancadas dele comigo, os pedidos de desculpas dariam uma ótima matéria. Mas naquele tempo eu ainda era uma profissional inexperiente e não percebi isso.
Por que só agora resolvi escrever? Porque ontem fui assistir ao imperdível Tim Maia – Vale tudo, o musical, com Tiago Abravanel, e me lembrei dessa história. Enfim, aí está a reportagem, pedida há tantos anos. Em algum lugar, o cantor e compositor deve estar agora rindo de mim. Afinal, vale tudo.
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[Vera Lucas é jornalista e escritora, Rio de Janeiro, RJ]