Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O humor está em crise

O humorismo tem inúmeras possibilidades de estilo. Pode-se dizer que tem muitas vertentes, mas o que é (e sempre foi) fundamental no humor é a sua função crítica, o seu dever de criticar. E criticar sobretudo o quê? O poder, claro, esse que fica concentrado nas mãos de poucos e que, seja por violência, seja por astúcia, pode submeter grandes massas a suas vontades e interesses particulares.

Algumas décadas atrás, a primeira coisa que nos viria à cabeça, em se tratando de poder, talvez fossem os militares ou a classe política, mas ocorre que os tempos são outros. A nossa percepção de poder hoje, se ainda não o é, precisa ser mais ampla, pois o poder, embora continue nas mãos de muito poucos, está, por assim dizer, mais difuso, de modo que toda sátira, toda crítica humorística que hoje estiver focada apenas nos nossos políticos estará evidentemente defasada.

Pois o que são esses pobres peixes pequenos perto, por exemplo, de grandes monstros tentaculares detentores do poder midiático? Existe hoje uma lacuna no humor que, infelizmente, não pode ser preenchida porque os nossos humoristas – ao menos os que gozam de mais popularidade –, de um modo ou de outro estão nas mãos desses novos poderosos, esses novos donos da situação, isso tanto na televisão quanto em qualquer outro meio onde atuem, no teatro, no cinema, nos jornalões etc.

Maus palhaços

Alguém imagina, por exemplo, uma piada satírica criada por algum de nossos humoristas da TV e dirigida a seus patrocinadores ou a alguém para quem trabalha? Há essa omissão do humor nos dias que correm e nossos humoristas sabem que estão sendo omissos. Sabem perfeitamente que a crítica humorística não pode se dirigir apenas a quem convém, não pode ter essa restrição desonesta, ser exercida assim, parcialmente. Há uma crise no humor, e o maior sintoma dessa crise é a sua atual falta de ética: já que sua função essencial não pode mais ser exercida com inteireza, o que restou aos profissionais do humor da chamada grande mídia? Subverter esse humor da forma mais triste: para desviar nossa atenção dos verdadeiros donos do mundo de hoje, o alvo da sátira e da chacota agora pode ser qualquer coisa ou qualquer um. Mesmo! Inclusive, ou principalmente, quem ou o quê, sabe-se lá por que razões particulares, estiver na mira do poder. É que, nesta atual conjuntura de poderosos e dos sem-poder, a coisa se inverteu e parece que a saída desesperada que os nossos humoristas encontraram foi afirmar que o humor agora é isso – o besteirol estéril ou qualquer loucura sem limites.

É verdade que nem tudo está perdido. Alguns poucos humoristas, por sua própria personalidade e prestígio, têm maior autonomia e conseguem manter sua dignidade no meio desse vale-tudo, mas de uma maneira geral, pelo que podemos testemunhar diariamente em nossa mídia, fica provado que quando o humor perde a sua seriedade, isto é, quando não pode mais ser crítico, tudo o que lhe resta é uma sandice irresponsável e decadente de maus palhaços.