O noticiário esportivo anda às voltas com o retorno jogador Adriano. A imprensa adora as algazarras protagonizadas por uma das personalidades mais controversas do futebol – aliás, o velho e violento esporte bretão está repleto destas figuras.
Podemos começar por Heleno de Freitas, craque da década de 1930, apelidado de ‘Gilda’ por seus amigos do Clube dos Cafajestes e pela torcida do Fluminense. O apelido era uma referência ao filme de mesmo nome estrelado pela atriz norte-americana Rita Hayworth. Dono de um temperamento explosivo, Heleno era um craque de bola, mas a genialidade para realizar grandes jogadas dentro do campo era a mesma para arranjar confusões fora dele.
Se fizermos uma linha do tempo e nos ampararmos na história, veremos craques como Garrincha, ‘o anjo das pernas tortas’, Edmundo, ‘o animal’, Paulo César ‘Caju’, Bruno ex-goleiro do Flamengo, verdadeiros craques da bola, porém sempre envolvidos em confusões, polêmicas e, no caso deste último, a acusação de envolvimento no desaparecimento da mãe de um de seus filhos, concebido fora do casamento. O último caso de insubordinação noticiado foi do promissor craque do Santos Neymar, mas nesse caso os dirigentes correram para conter aquilo que poderia se tornar um problema indigesto.
As peripécias do Adriano são todas conhecidas. Principalmente após ter alcançado a fama, sua carreira é marcada por atrasos em treinos após noitadas, fotos com objetos que parecem armas de verdade, moto em nome de traficantes procurados financiada com seu dinheiro, briga com a ex-noiva após um baile na comunidade, carteira de motorista apreendida em blitz policial, flagras ingerindo bebida alcoólica durante sua recuperação após cirurgia no ombro – enfim, uma vida repleta de ‘aventuras’. Adriano nunca foi um craque com a bola nos pés. Alguns costumavam chamá-lo de centro-avante ‘trombador’. Nessa época, iniciara sua carreira no Flamengo, alcançou destaque no clube carioca e, logo em seguida, transferiu-se para a Europa. Depois de algumas temporadas na Itália, Adriano ficou fisicamente forte, seu chute de ‘canhota’ virou uma ‘bomba’ e logo ganharia fama, dinheiro, mulheres e o apelido que ostenta até hoje – ‘Imperador’.
Histórias polêmicas, problemas e privilégios
O primeiro Adriano da história governou Roma durante o período de 117 a 138 d.C. e pertenceu à dinastia dos Antoninos, sendo considerado um dos ‘cinco bons imperadores’. Filho de colonos romanos moradores do sul da Hispânia e primo do imperador Trajano, foi nomeado sucessor deste por uma série de dignidades públicas que o fizeram aparecer como herdeiro do trono do Império Romano. Considerado o Imperador Ambulante, Adriano construía cidades por onde passava, erguia monumentos com motivações políticas, perto de Roma fez a grande Villa que até hoje leva seu nome, Villa Adriana, era um amante da arte e um apaixonado por arquitetura. O imperador Adriano parece ter passado 12 anos do seu reinado fora de Roma.
Assim como homônimo, o imperador dos campos passou grande parte da sua vida fora do seu reinado na comunidade Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro. Considerado bom parceiro pelos amigos de trabalho, as festas eram sempre organizadas pelo jogador. Com o falecimento do pai, em 2006, a sua carreira entra em colapso. No mesmo ano, Adriano e todo grupo que fez parte da delegação brasileira foram duramente criticados por toda mídia esportiva, após o fraco desempenho na Copa do Mundo daquele ano. Em seguida, o artilheiro retorna à Internazionale de Milão e, junto com ele, problemas com o peso, álcool e ‘noitadas’ começam a ecoar na mídia esportiva italiana. Enviado ao Brasil, seu trabalho de recuperação é realizado no São Paulo Futebol Clube e, após um mês de tratamento, o clube paulista o contrata por empréstimo por um período de seis meses.
Aparentemente recuperado, Adriano retorna ao clube italiano. Em abril de 2009, o atleta abandona o treino na Itália e se refugia no Brasil. O sumiço causa espanto, chega-se a cogitar a morte do jogador, que resolveu passar uma temporada na casa de familiares no dia 9 de abril de 2009. Uma entrevista coletiva é marcada, o jogador anuncia seu desejo de largar o futebol – a alegria de entrar em campo havia se perdido. Muitos elogiaram a coragem do jogador, pois é sempre muito complicado abandonar os gramados. Era consenso que o ‘Imperador’ ainda tinha muito a oferecer aos torcedores. O que estava acontecendo? Três semanas depois, Adriano e o clube italiano chegam a um acordo, o seu contrato é rescindindo, fato que faz com que o jogador tenha o tempo necessário para recuperar a sua forma física e, acima de tudo, a sua saúde mental. Mas, como uma fênix, o ‘imperador’ ressurge das cinzas e assina contrato com Clube de Regatas do Flamengo.
Naquele ano, Adriano seria campeão brasileiro e um dos artilheiros do Campeonato Brasileiro mas, como não poderia deixar de ser, sua passagem pelo clube rubro-negro é carregada de histórias polêmicas, antigos problemas batem à porta do clube e do atleta e os privilégios concedidos espocam como uma bomba na imprensa esportiva.
Referência para sua comunidade
Alguns dizem que benefício de ‘estrela’ é ter um salário maior que o dos outros companheiros de clube; outros são a favor, pois craque é quem faz a diferença. Só que Adriano já não vinha mais fazendo a tal diferença e nem era considerado craque. Com isso, uma transferência novamente para Itália parecia a solução dos problemas acumulados por uma imagem desgastada. Era frequente a sua aparição na mídia, não só no diário esportivo, mas agora também nas páginas policiais. Assim, a ida para capital italiana se transformara em ótima oportunidade para consolidar a carreira e recuperar a credibilidade diante dos torcedores do Velho Continente. Porém, seu desempenho é pífio. A saudade dos familiares, o relacionamento ruim com o técnico, as contusões e problemas fora do campo se tornam fatores determinantes para a rescisão do contrato entre clube e o jogador. Mais uma vez, o ‘Imperador’ está livre para retornar ao seu reino, nos braços da família, dos amigos e, claro, das noites cariocas.
Adriano simboliza uma geração de homens da pós-modernidade que ainda não conseguem entrar em contato com suas limitações e fraquezas, pois tudo é camuflado pelo grande acúmulo de capital, pela fama repentina, pelos carros importados e pelas capas de revistas masculinas. O ‘Imperador’ não se deu conta da solidão em que se encontra e ainda não sabe como se relacionar com esse vazio interno que machuca e corrói a alma. Assim como ele, existe uma geração que está em busca do pertencimento, que para ele ora está na Itália, ora está na Vila Cruzeiro, ora em lugar nenhum. Em todas essas histórias, o que existe é um pedido de socorro. O atleta denuncia algo que é comum a todos nós, um traço que nos constitui enquanto espécie humana. Não fomos preparados para suportar a solidão moral, uma condição que nos ofende, nos magoa e nos incomoda – essa é uma ferida narcísica que nunca irá cicatrizar.
A torcida é para que o atleta entenda seu papel, encontre o seu lugar, alcance a paz interior e, dessa forma, deixe de fazer o jogo do sistema e assim se torne uma referência para sua comunidade, para garotos que se espelham nele como grande jogador de futebol e que um dia sonham obter os títulos por ele conquistados e, quem sabe, assim se tornarem os ‘imperadores’ de suas próprias vidas.
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Técnico de Informática, Rio de Janeiro, RJ