Na sexta-feira (21/9) um amigo me mandou um e-mail impressionante, composto de quatro slides bem produzidos, intitulados ‘In Memoriam’. Os dois primeiros preparam a mensagem, dizendo:
‘Esta semana o Reino Unido eliminou o Holocausto do currículo das escolas porque `ofendia´ à população muçulmana, que vem declarando que esse fato histórico é ficção.
‘Esta decisão do Reino Unido evidencia o espantoso medo que está se apoderando do mundo, por causa das ameaças mundiais, e as iniciativas fáceis que os países estão tomando para se adequar às intimidações globais.’
A mensagem vem a seguir:
‘Agora, mais de 60 anos depois de terminada a II Guerra Mundial na Europa, este e-mail comemorativo é enviado IN MEMORIAM de 6 milhões de judeus, 20 milhões de russos, 10 milhões de cristãos e de 1900 sacerdotes católicos que foram assassinados, massacrados, violentados, queimados, mortos por inanição e humilhados perante a população alemã e da Rússia que via os acontecimentos de outra maneira. Agora, mais do que nunca, quando o governo do Irã, entre outros, proclama que o Holocausto é `um mito´, é imprescindível garantir que o mundo jamais se olvide dele.’
E o comando final:
‘Esta mensagem deve ser vista por 60 milhões de pessoas de todo o mundo. Una-se a esta corrente comemorativa e ajude-nos a distribuí-la. Por favor, envie este e-mail a pelo menos 10 pessoas conhecidas e peça que continuem a corrente. Não a apague. Passar isto adiante só lhe tomará alguns minutos. Obrigado.’
Terra de ninguém
Indignado, sem pensar duas vezes, não retransmiti o e-mail apenas para 10 amigos e, sim, para 95 ou mais. Muitos destes, por sua vez, fizeram o mesmo e mantiveram a corrente em marcha. Entretanto, minha amiga Evelyn Levy ficou estupefata, pensou duas vezes e foi verificar no site da BBC que 1) essa corrente já circula furiosamente no mundo todo e que 2) ela se fundamenta em premissa falsa. O Reino Unido não suprimiu nem cogita de suprimir o ensino do Holocausto, que é compulsório para alunos de 11 a 14 anos das escolas públicas do país.
A mentira, assim, invalida a mensagem, por bem-intencionada que ela possa ser. Um exame meticuloso do seu texto mostra outras afirmações discutíveis:
**
‘…a população muçulmana vem declarando que esse fato histórico é ficção.’Ora, a população muçulmana não tem se manifestado a respeito, pelo que se saiba; apenas o presidente do Irã nega o Holocausto, muito mais como boutade e uma provocação a Israel.
**
‘…o governo do Irã, entre outros, proclama que o Holocausto é ‘um mito’.’Existem mesmo outros governos proclamando isso?
**
‘…iniciativas fáceis que os países estão tomando para se adequar às intimidações globais.’ Generalização indevida: quais iniciativas tomadas por quais países?**
‘…e humilhados perante a população alemã e da Rússia que via os acontecimentos de outra maneira.’Não interessa tentar descobrir a intenção desta última e nebulosa afirmação, nem de toda a corrente. Nem saber se ela faz parte de alguma campanha de conscientização. A mensagem, embora redigida na primeira pessoa (ajude-nos a distribuí-la), é anônima.
O que interessa é examinar o nosso papel na difusão desse tipo de informação viral que, disseminada na terra de ninguém da internet, pode tanto ser inócua como servir a boas causas. E também atender a interesses, criar preconceitos, ganhar ou perder eleições, destruir reputações públicas, até mesmo insuflar guerras. É impossível avaliar o poder desse veículo, mas podemos imaginar como seria manipulado por um novo Goebbels.
Conselho sensato
Assusta-nos o crescente poder da mídia, o seu protagonismo nada democrático, prejulgando e crucificando gente e instituições. No entanto, cada um de nós, ao difundir mensagens virais, também se torna um veículo de comunicação. Deveríamos por isso assumir a mesma responsabilidade que reclamamos dos jornais. Basta refletir um instante para concluir que é leviandade difundir acriticamente informações e opiniões que muitas vezes são de fonte ignorada e suspeita.
Assim como um editor de jornal tem a obrigação de verificar a veracidade das informações e opiniões que vai publicar, nós deveríamos fazer mais do que simplesmente aplicar o antivírus – deveríamos procurar saber se o conteúdo do e-mail que vamos repassar é confiável. Examinar seu bojo para saber se não se trata de um cavalo de Tróia. Acho até que, em caso de dúvida – isto é, na maioria dos casos – melhor é nos abstermos.
O velho Nahum Sirotsky tem um conselho sensato: espere pelo menos até o fim do expediente antes de passar adiante.
******
Publicitário, São Paulo, SP