Exatamente há 50 anos, o escritor francês Maurice Druon lançava um dos maiores sucessos literários do mundo, o livro O Menino do Dedo Verde (Tistou Les Pouces Verts). De 1957 até hoje, a classificação da obra esteve nas estantes dos romances infanto-juvenis. Porém, chegou a hora de a história de Tistou saltar para o nicho dos grandes livros ecológicos, pois nunca houve tantos dedos verdes como agora e tanta necessidade de transformarmos o planeta em Miraflores.
O angelical garoto nascido na enfumaçada e beligerante Mirapólvora pode ver em seu cinqüentenário o mundo na busca por outros valores, muito próximos àqueles em que Druon moldou a personalidade de Tistou.
Como na cidade do pequeno menino de dedos mágicos, as flores e folhas vão brotando em todos os cantos. Não se sabe ao certo, entretanto, se os polegares do garotinho tocaram a imprensa brasileira. Mas pela primeira vez na história dos grandes jornais surge o brotar de centenas de árvores e flores, literalmente. Provavelmente, Tistou esteve por aqui…
Desde 26 de abril, a Gazeta Mercantil se rendeu ao espírito revolucionário do menino do dedo verde e à necessidade de zerar as emissões de dióxido de carbono, o principal gás do aquecimento global. Numa parceria com a empresa Max Ambiental e a organização SOS Mata Atlântica, o periódico passou a doar 36 árvores para cada uma de suas edições.
Rendição aos fatos
A quantidade de árvores a serem repostas na área da tão maltratada floresta costeira foi gerada nos cálculos da Max Ambiental. Segundo o levantamento, baseado nos mesmos métodos utilizados pelo Protocolo de Kyoto para calcular a emissão de gases do efeito-estufa, a cada tiragem do jornal havia o lançamento na atmosfera de 7,08 toneladas de CO2. Mas esse volume foi neutralizado e envolveu a redação, a publicidade, o setor administrativo, a impressão e a distribuição da publicação.
Levaram-se em consideração os consumos de energia elétrica, combustíveis fósseis e a geração de lixo orgânico. A compensação ambiental adotada pela Gazeta Mercantil pode ser um caminho aberto para o início da conscientização na imprensa de um planeta que optou por ser Mirapólvora e que agora revisa seus conceitos para, enfim, se tornar Miraflores.
As 252 edições anuais do periódico geram 1,8 mil toneladas de dióxido de carbono. Isto implicará o plantio de 9.072 mudas de árvores de espécies nativas no que restou do cinturão verde que um dia brotou do nordeste até o sul do Brasil. E, quem sabe, talvez seja também o primeiro polegar a entrar na Terra para voltarmos a ter a costa mais verdejante do mundo.
Há uma coincidência a ser destacada entre a Gazeta e o livro de Druon: o jornal, que sempre trouxe em suas páginas o noticiário da pujança do desenvolvimento econômico, muitas vezes responsável por altíssimos custos ambientais, é hoje o pioneiro no mundo a neutralizar o que possa prejudicar o planeta. Sua linha editorial se abriu definitivamente para noticiar as ações sócio-ambientais de quem foi, outrora, o maior algoz do meio ambiente natural. Mirapólvora se rendendo a Miraflores.
Surpresas dos amigos
Neste processo há um componente importante. A redação deste jornal de 87 anos de existência é uma das mais maduras, experimentadas e coesas do país. Por isto recebeu a proposta com a melhor das boas vontades e concentrou esforços para ver o projeto da ‘Gazeta Verde’ ser algo mais do que bem-sucedido – um exemplo cuja função é mostrar que existem plenas condições de se recuperar o planeta, basta querer.
Novamente o dedo de Tistou surge. Em cada notícia de cunho ambiental aparece a marca, em forma de selo, com a representação de uma árvore cercada pelos dizeres ‘Gazeta Verde – Carbono Neutro’. E daí, do noticiário à prática, é como se o jardineiro Bigode, da Casa-que-Brilha, abrigo da família de Tistou, deixasse as páginas e fosse semear uma nova ordem.
‘As histórias nunca param onde a gente imagina. Vocês pensavam talvez que tudo já estivesse dito e que já conhecessem Tistou muito bem. Pois fiquem sabendo que nunca conhecemos ninguém completamente. Nossos melhores amigos reservam sempre surpresas.’ Frase do sábio Druon, que abre o penúltimo capítulo de seu livro, antes de revelar que Tistou era um anjo.
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Jornalista, pós-graduado em jornalismo científico