Neste mundo abreviado pela tecnologia da informação, em que a neurose do tempo e do espaço submete-nos a uma velocidade bestial, o jornalismo deveria andar na contramão, quebrando rotinas e produzindo inovações voltadas para a construção de uma sociedade mais humana.
Ao contrário, o jornalista sujeita-se à avalanche de informações que acabam formatando modismos, idolatrando nomes, superficializando relações humanas e banalizando fatos, tudo isso em nome da democratização dos meios virtuais, que disseminam a reflexão e os devaneios individuais. O jornalista parece desatinado à procura de um novo papel neste cenário de fantasias. Ou será que ele ainda quer produzir como nos anos 80, porém subornado pela tecnologia, em pleno terceiro milênio?
O profissional de imprensa mergulha na ansiedade de querer corresponder a todos os fatos e episódios e busca na diferenciação algo inusitado, espetacular, sem a preocupação de contextualizá-lo, confrontá-lo e dimensioná-lo sob a ótica da razão e da ética. A velocidade irreal – nós é que aceleramos – impõe rotinas que nos tornam indiferentes diante da tirania das fontes. A Petrobrás, por exemplo, atribui aos impostos o fato de o brasileiro pagar pela gasolina mais cara da América Latina. E todo mundo acredita. Ninguém tomou a iniciativa de saber quem realmente está lucrando em demasia.
Perdido e sem critérios de seleção
É possível antecipar agora as manchetes que jornais irão produzir por ocasião da aproximação do natal: comércio quer vender 10% a mais, como se à imprensa coubesse o papel de incentivar o consumo. O profissional de jornalismo tem sido, em sua maioria, incapaz de enxergar a favela, onde milhares de famílias carentes de alimentos – e muito menos de presente natalino – criam seus filhos em ambiente promíscuo, sem a menor noção de cidadania. E quando busca notícia das favelas, é para ‘espetacularizar’ os assassinatos, as chacinas e apenas enxergando na fragilidade dos sistemas de segurança a única causa da violência urbana brasileira. O jornalismo brasileiro fantasia a realidade, em meio a fatalidades, para atrair leitura pela magia, como, aliás, faz a publicidade, que apela à imagem como melhor estratégia de persuasão.
Na era da Olivetti – aquela máquina de teclado pesado e com papel no cilindro –, o jornal precisava de 14 horas para fazer reportagem, redigir a matéria, editar, diagramar, paginar, filmar, fotolitar, produzir as chapas e inseri-las no cilindro para a impressão. Justificava-se a demora pela lentidão da notícia e dos equipamentos. O telex de notícias nacionais e internacionais, por exemplo, expelia uma média de dez linhas por minuto. Hoje, 60 segundos são suficientes para surgirem 70 matérias na internet. Se antes uma pesquisa obrigava o jornalista a frequentar bibliotecas ou arquivos do jornal, hoje o jornalista usa a internet e satisfaz-se com o superficialismo dos canais livres de informação, como o Google, que são valiosos, mas não suficientes.
Mesmo com a revolução da tecnologia da informação, o jornalista do século 21 continua consumindo 14 horas diárias para produzir um jornal justamente porque ainda vive perdido, alucinado e sem critérios de seleção diante de milhares de informações. Na verdade, o jornalista não sabe se deve concorrer com a televisão ou com a internet. Afinal, qual o papel do jornal impresso nesta contenda?
Novos papéis num mundo de imprevisibilidade
Se antes a ansiedade era pelos questionamentos, inquietação e busca de mais respostas, hoje a rotina alimenta o óbvio em sua narrativa espetacular ou interpretação passiva. O processo histórico está comprometido pelo imediatismo; tudo parece se tornar descartável, em consequência da avalanche de supérfluos. No momento em que a sociedade exige respostas e opiniões sobre os acontecimentos, a imprensa limita-se a informar e cai na amnésia, esquecendo de repercutir fatos de tamanha importância à vida democrática brasileira. O exemplo mais recente é o argumento do senador José Sarney contra o ingresso da Venezuela no Mercosul, em função da ditadura de Hugo Chávez. Ora, a imprensa não poderia deixar de lembrar que foi justamente Sarney um dos precursores civis da ditadura militar e dela se beneficiou durante 20 anos, a ponto de tornar-se um presidente biônico com a ajuda de generais.
Nestas circunstâncias, o jornalista é conivente com a impunidade, preferindo seguir o roteiro das práticas políticas que fulminam a autenticidade da democracia que leis ignoradas podem sustentar. Hoje, quem quiser se inteirar de episódios políticos ou econômicos brasileiros precisa comprar livros, o que privilegia uma classe minoritária. O povo é levado pela maré da notícia espetacular, que revela a cor do sutiã com que a artista foi à festa ou do artista que está solteiro, mas que quer namorar. A imprensa está contribuindo para a despolitização do povo, justamente porque prefere a superficialidade ao papel de exercer a crítica em defesa da ética e da democracia.
O editorial, que nem os jornalistas do próprio jornal lêem, é o meio de o jornal expressar a sua opinião, quando o certo seria acabar com essa coluna anacrônica e expor a sua posição abaixo de cada matéria que estimule a opinião. Da mesma forma é o telejornal, em que o apresentador franze o rosto depois da notícia lamentável, quando deveria opinar, ensejando à população a oportunidade de também ter uma visão crítica. Boris Casoy é o que mais avançou, mas poderia crescer mais se não se limitasse à habitual e surrada frase ‘Isto é uma vergonha!’
Se não quebrar rotinas, inovar e fugir à mesmice, o jornalista em breve estará competindo com o advogado, o médico, o engenheiro e outros profissionais que se sentirão igualmente competentes para produzir seu jornal na internet. É urgente que a escola de Comunicação e o jornalista se apressem no sentido de também ser um agente de mudança, influindo com novos papéis no mundo da imprevisibilidade tecnológica.
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Jornalista e professor da Unisul