A divulgação pela revista Época, em sua edição de 20 de março de 2006, do extrato bancário do caseiro Francenildo Costa, aquele que colocou o agora ex-ministro Antonio Palocci na parede, foi uma atitude que respeitou a ética jornalística? Da forma em que ocorreu a divulgação, não. O jornalismo exige apuração aprofundada. Havendo dúvida sobre os fatos, melhor não divulgar a matéria. No entanto, a imprensa preferiu apostar em algo que até agora não se confirmou: que os depósitos eram ilícitos.
Mesmo que fossem ilícitos, caberia uma segunda pergunta: a ilicitude relaciona-se com as acusações de Francenildo ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ou não? A resposta a essa pergunta significaria o adequado contexto para a matéria. Aliás, considerando que estamos falando de quebra ilegal de um sigilo bancário, uma infração à Constituição, talvez a matéria apenas se mantivesse caso o ilícito se relacionasse ao episódio político.
Chancela da chantagem
Uma pessoa pode sim receber um depósito de 20 mil reais em sua conta por ‘n’ motivos. A imprensa tem o dever de investigar se entre esses ‘n’ motivos está a fraude ou a corrupção. Ou, de outro ângulo, se não está. Pode ser que a versão dada pelo caseiro para o depósito seja verdadeira e, nesse caso, a imprensa terá exposto indevidamente um fato íntimo e amargo da vida do rapaz, relacionado a uma paternidade não reconhecida oficialmente. Não é papel da imprensa fazer ilações sobre a veracidade do fato, mas – sim – se descobrir que não procede a versão de Francenildo – publicar com as provas devidas, o que até este momento não ocorreu.
Mas vamos supor que ocorra, ou seja, que um veículo de comunicação comprove, por A + B, que o depósito foi uma espécie de pagamento ao caseiro pelas denúncias contra o ex-ministro Palocci. Mesmo nesse caso, não significaria que a publicação do extrato bancário pela Época tenha ocorrido de forma adequada, porque adequado seria se viesse já com a explicação dos motivos para o valor alto encontrado na conta. Somente assim, pelo ‘sistema da balança’, seria justificável infringir um direito constitucional e individual, que é o sigilo bancário.
Pelo ‘sistema da balança’, entre dois princípios democráticos, verifica-se qual tem – no caso concreto – maior peso. A única opção a dar peso adequado para a violação de um sigilo bancário é aquela em que, do outro lado, está o interesse público real, devidamente apurado, checado e, para não ter dúvidas, checado de novo. Não pensar assim é concordar com medidas que eram comuns nos tempos de ditadura. Não pensar assim é chancelar a chantagem no meio político, tendo o jornalismo como ignominiosa ferramenta.
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Jornalista e advogado em Cuiabá; www.expressoeshumanas.com.br