Respondendo ao autor do texto ‘Que jornalismo é esse?‘, o qual critica a falta de conteúdo das matérias e a espetacularização de fatos pouco importantes para a sociedade, acrescento que é o mesmo jornalismo que teve a coragem de publicar, em destaque, num jornal de considerável circulação em Belo Horizonte, a seguinte matéria: ‘Caminhada de 5,5 milhões – Marcha organizada pelo MST em prol da reforma agrária e contra a política econômica do governo Lula daria para comprar 1.370 hectares de terras e assentar, no mínimo, 100 famílias’.
O jornal atrai um público preocupado com as páginas policiais, pela bagatela de R$ 1,20, motivo pelo qual devemos atribuir-lhe o título de grande. Bem, ao conhecer o perfil desse jornal, o senso comum pensaria: ‘Ora, para que nos preocuparmos com política, se quem compra o jornal quer ler sobre os criminosos da capital…?’
Pensando assim é que o inverso – escrevemos isso porque o povo gosta – começa a ser justificativa para o péssimo jornalismo. O que me assustou na reportagem foi esse argumento, ‘o quanto dava para comprar’, criado pelo jornalista para desenvolver a matéria. A preocupação era esmiuçar cada despesa para que o leitor não tivesse chance de outra interpretação, a não ser a simples análise de que ‘esse bando de desocupados só pensa em baderna, sendo que podia pegar esse dinheirão todo e gastar em coisas úteis; enquanto trabalho, eles vão a Brasília, com tudo pago, reivindicar’.
Bactérias no ralo
O que mais me indigna nesse tipo de reportagem é que o jornal tenta tirar o foco da verdadeira bandeira dos movimentos sociais, em vez de divulgar suas contribuições e seus erros para que o leitor se aproxime da realidade e formule opinião própria, porque sabemos que imparcialidade pura não existe.
Depois de relatar os gastos e fazer comparações, o repórter relatou que 430 mil famílias precisam ser assentadas, entre outras reivindicações. Mesmo assim, os responsáveis pela matéria não tiveram vergonha de contabilizar os gastos, classificá-los como desperdício e, ainda, insistir em que essa fortuna daria para abrigar o equivalente a 0,02% das famílias necessitadas.
Linha editorial, um sério aliado do mau jornalismo, atrelada à ideologia política ou a interesses estritamente comerciais, travestidos em guerra política. Contudo, os jornalistas precisam trabalhar nessas redações acreditando que de alguma forma produzirão matérias úteis, que serão os canais para a formação do leitor. No fermento dos acontecimentos conseguem, muitas vezes absorver o conteúdo, mas são obrigados a subtraí-lo. E para não deixar o público frustrado pela ‘ausência’ de matérias, os bons entendedores vão divulgando quantas bactérias ocupam o ralo do banheiro, como os bambis gostam de picolés, quantos milhões engordam as contas bancárias das estrelas, como são jecas os severinos da vida, entre outras peculiaridades que andam representando nosso jornalismo.
******
Jornalista, Belo Horizonte