Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O jornalismo Hiroshima

Pela terceira vez, em um mês e meio, a revista Veja disparou em sua seção Radar notícias sobre a chamada Operação Gutenberg. A operação, nos bastidores do reportariado, é um sucesso: volta e meia têm corrido por aí listas e listas com os nomes de jornalistas supostamente investigados pela Polícia Federal. Nunca, é óbvio, surge o objeto direto, tão vindicado dos beletristas da profissão: afinal, o que estariam fazendo de errado estes jornalistas investigados? Onde teriam incorrido em crime? Este observador teve de bulir com tais questões quando, na semana passada, foi informado de que a PF armava contra ele um bote ‘sob acusação de fazer parte da banda podre da polícia’.

No processo de esquadrinhamento da informação, chegou-se ao ponto: um assessor da Polícia Federal é quem anda telefonando para redações para plantar os nomes. Não precisam estar necessariamente sendo investigados. Os desafetos da atual direção da PF, sobretudo os que cobrem o sindicalismo federal (que este ano parou a instituição), são imediatamente colocados na ‘caixinha’ da banda podre – num processo muito parecido àquele que Ludwig Wittgenstein emprega nos seus proêmios, com a figura de maçãs, fazendo uso das ‘caixinhas’ da linguagem há tanto apontadas por Santo Agostinho.

Alguém, na semana passada, já descrevia assim o comportamento de assessores do governo quanto à chamada Operação Gutenberg: ‘Imagine que um criminoso não gosta de 40 pessoas que moram em Hiroshima. Ele sabe que em três horas vai cair uma bomba sobre a cidade. Atira então na cabeça das 40 pessoas, porque sabe que os homicídios serão espetados na conta da bomba’.

Dados, dados, dados

Querendo lavar a alma em cima da Operação Gutenberg, ou melhor, querendo sujar a concorrente num procedimento que ninguém ainda sabe qual seja seu ethos, a revista Veja, nessas três notinhas, não reluta em escrever ‘A operação Gutenberg, isto é, a investigação…’. Na semana retrasada, por exemplo, o vocábulo ‘isto é’ aparece duas vezes numa notinha se sete linhas no Radar da Veja.

Nem precisa ser dito que sacrossantíssimos ódios de mercado, atávicos sentimentos de vingança, enfim, o rebotalho da essência autoproclamadamente ‘iluminista’ do jornalismo estão sendo postos em prática na zona de sombras morais que corre junto aos bastidores da Operação Gutenberg.

O caso deste observador foi levado primeiramente ao assessor do presidente Lula, Ricardo Kotscho, e depois ao senador Romeu Tuma. O retorno dos dois foi imediato. Uma das assessoras do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, retornou ligação ao repórter, acionada pela presteza de Kotscho. A reclamação: um dos assessores do diretor da PF, delegado Paulo Lacerda, anda disparando telefonemas para redações para ‘plantar’ os nomes de jornalistas que ‘fazem parte da banda podre’. O pior: o assessor não é delegado. É também um jornalista.

Na revista Caros Amigos ora nas bancas, Ricardo Kotscho revela que o estilo de atender à imprensa optado pelo presidente Lula é muito mais, digamos, olímpico do que o de FHC. Vejamos:

E por que o Lula presidente nunca deu uma entrevista coletiva?

R.K. – Fiz o levantamento de todas as entrevistas exclusivas e coletivas que o Lula deu desde a posse. Foram mais de oitenta. O que não houve ainda – e estou insistindo para que seja feita – é uma entrevista coletiva geral no Palácio do Planalto. Quando se diz ‘ah, o Fernando Henrique dava muitas entrevistas…’, não é verdade. Ele deu três coletivas em oito anos de mandato, sendo uma delas junto com o Clinton, e os repórteres só perguntaram da Monica Lewinski.

Se dependesse só de mim, obviamente o presidente falaria mais, mas não precisa falar a toda hora, com todo mundo. O cargo exige uma responsabilidade maior do que no tempo em que ele era líder sindical, líder partidário. Mas o problema não está na forma da entrevista. O que acontece é que, desde 1º de janeiro de 2003, o Brasil tem um presidente que não é mais um presidente, é outro tipo de comportamento, de origem, de partido. No início tive muita dificuldade de me adaptar à função e os jornalistas de se adaptar a uma nova situação também. Eles estavam acostumados com oito anos de Fernando Henrique, que tinha os seus métodos, falava por telefone com jornalista. O Lula nunca teve isso, não tem, não faz parte.

Você atribui a que isso? Ele não gosta?

R.K. – Não, é que ele acha que não pode banalizar isso. Está certo, não pode dar entrevista todo dia e toda hora. Na semana passada, ele deu a entrevista de capa da revista Época. Dia 14 agora, jornal Estado de S. Paulo; dia 23, uma coletiva para as rádios. Então são várias formas de você atender.

Tem jornalista que já foi perguntar à esposa o número da carteira de identidade dos avós maternos no caso de tais dados serem exigidos nas coberturas palacianas. Isso decorrente da leitura do que se segue, em comunicado distribuído pelo Palácio do Planalto:

‘Credenciamento de Imprensa

Presidência da República

Secretaria de Imprensa e Divulgação

Viagem presidencial à cidade de São Paulo – SP

No dia 20 de outubro, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, estará na cidade de São Paulo-SP. A programação será fornecida posteriormente.

Será necessário informar os seguintes dados: nome completo, função, número do registro profissional, livro, folha, DRT, número da carteira de identidade, órgão expedidor, telefone, fax e e-mail da empresa para contato.’

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Jornalista