O repórter Daniel Bergamasco prestou um bom serviço aos leitores com a matéria ‘Cinderela do Lixão não virou princesa’ (Folha de S. Paulo, 10/06/2007). Um bom serviço porque mostrou, especialmente às jovens que se fascinam com a celebridade de algumas modelos, o lado real dessa história, contado por Cristiane de Andrade, ex-catadora de lixo, hoje garçonete:
‘Eu tive aqueles minutinhos de fama, de aparecer em TV e em revistas, como a modelo que veio do lixão. Era época do Fashion Rio e cheguei a desfilar. Na frente da TV, me prometiam tudo, contratos para ganhar R$ 2.000,00. Depois desconversavam. Dinheiro que é bom, nunca vinha. Era muita bajulação e pouca grana. No começo, eu ganhava R$ 200,00 aqui, uns R$ 300,00 ali. Depois passava um tempão sem trabalho. Tinha onde morar, mas não tinha salário. Estava comendo pior do que em Bangu. Foi quando decidi largar tudo. Fui à luta e estou feliz demais! Moro numa casinha boa, de um quarto, em Santo Amaro. E ganho muito mais aqui do que como modelo. (Uma garçonete no bairro do Itaim chega a ganhar R$ 2.000 por mês.)’
Palavra não vale muita coisa
Mas a matéria vai além da história pessoal da ex-catadora de lixo. Fica até mais interessante quando ela conta coisas que viu no assim chamado mundo ‘fashion’:
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‘Na agência, o cotidiano era angustiante, diz ela. O que a Mega [agência de modelos] fez comigo não é porque eu era do lixão. Faziam também com outras que não vieram de mídia. Faziam o quê? De não ligar, deixar ali sentada no tão famoso sofá da Mega o dia inteiro.’**
‘Conheci meninas que cheiravam [cocaína] para emagrecer. Vi muitas estragarem a vida. E também meninas lindas gastarem o dinheiro que juntaram para a faculdade para se manter em São Paulo e depois voltar para casa sem nada.’**
‘Tenho vontade de continuar, mas peguei medo de agência. A imagem que eu tenho do mundo da moda é de muita mentira. A palavra não vale muita coisa.’Carreira milionária
Ao contrário da Folha, o jornal O Estado de S. Paulo optou pela cobertura convencional, na matéria ‘Novas faces que ganham as passarelas’. Os depoimentos das jovens modelos são para deixar qualquer aspirante com água na boca:
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‘Estar aqui é tudo. Estou modelando há dois meses e meio e é incrível ter pego esse trabalho.’**
‘Estou há três anos só como modelo comercial, mas dessa vez resolveram me botar na passarela. Já viajei muito, passei três meses na China, cinco em Nova York, e três na Tailândia. Agora vejo que essa coisa da modelo fashion é muito difícil. Você tem que competir com as top.’Embora Gisele Bündchen tenha declarado que a era das ‘tops’ acabou, as meninas que lêem revistas femininas, assistem TV e são bonitas vão continuar sonhando com a vida de modelo. E se os pais delas, que lêem jornal, perceberem uma chance de carreira milionária para a filha, vão preferir achar que a matéria com a ex-catadora de lixo é puro sensacionalismo da imprensa. Afinal, se o que se vê todo dia são matérias mostrando a maravilhosa vida das celebridades da moda, é aí que deve estar a verdade.
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Jornalista