A falta de informação técnica da imprensa brasileira sobre a questão socioeconômica e ambiental do lixo no país tem levado à veiculação de matérias jornalísticas ingênuas, parciais e/ou tendenciosas sobre o tema. Exemplo disso foi o último dia 20/10, quando as agências de notícias reproduziram acriticamente os resultados do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, relatório produzido pelo Ministério das Cidades desde 2002 e que na sua sexta edição apresenta dados sobre a gestão do lixo em 2007.
Segundo o relatório, dos 418 municípios convidados para o estudo, 306 responderam, o que vale a uma taxa de adesão de 73,2%. Também houve um crescimento de 59 municípios (23,9%) na base de dados em relação a 2006. A simples reprodução desta informação confunde o leitor, já que estatisticamente quanto maior for a amostra melhor será o resultado final do relatório. Tampouco foi informado o leitor como os dados foram coletados pelos técnicos do Ministério. Na introdução do relatório está dito que as informações foram obtidas através do envio de questionários para as prefeituras. Também que, apesar do esforço, não se consegue que os municípios enviem todos os dados solicitados devido a razões que vão do desinteresse às dificuldades internas que têm muitos municípios para obter seus dados. Será que as 306 prefeituras enviaram dados reais da situação do lixo nos municípios? Por que os jornalistas não alertaram os leitores para a possibilidade de incorreção de alguns dados do relatório devido à sua metodologia de obtenção das informações municipais?
Sinônimo de inclusão social
Foi divulgado alegremente que 64% do lixo coletado no Brasil em 2007 foi para aterros sanitários e 9,5% foram parar nos lixões. A notícia aparentemente representa um avanço, já que cada vez mais o lixo está recebendo tratamento final adequado. Todavia, essa verdade não é verdadeira. No relatório Basta de basura, de 2003, o Greenpeace demonstrou empiricamente os riscos ambientais e à saúde humana do uso de aterros sanitários em áreas urbanas num raio de 5 km2 dos aterros. O Greenpeace conclui que aterros sanitários devem ser usados como uma estratégia tangencial no tratamento do lixo, não como principal estratégia, como vem sendo proclamado pela imprensa nacional.
Foi considerado positivo que 56,9% dos municípios avaliados no relatório do Ministério possuem programas de coleta seletiva. Ter coleta seletiva não implica que este programa é eficiente. Cidades como São Paulo e Natal possuem coleta seletiva e, no entanto, menos de 1% do lixo gerado nas duas cidades são desviados pela coleta seletiva. Faltou foi perguntar o que é coleta seletiva. Muitos municípios brasileiros recebem da Petrobrás tambores de lixo de diferentes cores e por estes tambores estarem nas ruas das cidades as prefeituras dizem ter programas oficiais de coleta seletiva. Ora, coleta seletiva implica comportamentos sociais de cunho ambiental, e não apenas na separação do lixo por tipo de material, como se tem publicado e incentivado pelos jornais e revistas brasileiras.
O relatório mostra que há catadores em 83% dos municípios consultados. Os quase 1 milhão de catadores de lixo do Brasil sensibilizam os jornalistas, de maneira que as matérias sobre o tema são unânimes em indicar a participação dos catadores nos programas oficiais de coleta seletiva como única alternativa à problemática social destes sujeitos. O trabalho do e no lixo passa a ser sinônimo de inclusão social. Todavia, não se tem questionado os motivos que geraram a exclusão social dos catadores.
A ‘verdade inquestionável’ em questão
A reciclagem no Brasil em 2007 foi de 11%, percentual que vem se mantendo desde 2003. A imprensa brasileira vem ressaltando este fato, destacando a reciclagem de latas de alumínio como positiva para a preservação ambiental. De todo o lixo gerado no Brasil em 2007 (244.000 toneladas/dia), somente 0,5% eram latas de alumínio. No mesmo ano se reciclou 96,5% de todas as latas de alumínio produzidas no país. Usando o recurso de uma regra de três simples encontramos que apesar do elevado índice de reciclagem, somente 323 toneladas de latas de alumínio deixaram de ser lançadas diariamente no meio ambiente, de um total de 244.000 toneladas diárias de lixo.
Outra verdade nunca antes contestada é a contribuição da reciclagem de latas de alumínio para o meio ambiente brasileiro. No ano de 2008, as indústrias reciclaram no Brasil 165.000 toneladas de latas de alumínio. Por suas características físico-químicas, a reciclagem do alumínio evita o uso de bauxita, sua matéria-prima, na atividade produtiva na proporção 1:5. Então, em 2008, a reciclagem de latas de alumínio preservou o uso de 825.000 toneladas de bauxita, volume representativo, porém irrelevante, se comparado aos 7,4 bilhões de toneladas de reservas de bauxita no Brasil. Nas notícias sobre reciclagem faltou dizer que a reciclagem de todas as latas de alumínio em 2008 preservou apenas 0,111% das reservas naturais de bauxita no país.
A máxima que o uso de alumínio reciclado na produção de alumínio novo economiza 95% de energia jamais foi comparada com o estudo realizado por Steven Weinberg, prêmio Nobel de Física de 1979. Weinberg provou que o magnésio substitui integralmente o alumínio, com a vantagem de menor custo ambiental de sua extração, o que implica em menor uso de energia em toda a cadeia produtiva.
Os textos publicados sobre a questão do lixo no Brasil evocam a participação de catadores em programas de coleta seletiva, a construção de aterros sanitários para o tratamento final do lixo e a ode à reciclagem como alternativa à preservação ambiental do planeta. Em uma palavra, se faz apologia à gestão integrada dos resíduos sólidos. Carente de conhecimento e apreciação analítica mais apurada, o que se tem divulgado sobre o lixo desloca a atenção do leitor, inibindo-o da possibilidade de questionar a verdade inquestionável publicada em jornais e revistas do país.
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Doutorando em Geografia, Universidade de Barcelona, Espanha