O Diário de Pernambuco sempre teve o justo orgulho de se proclamar o mais antigo jornal de toda a América Latina. Ou dito de outra maneira, o de ostentar o título de a mais velha publicação editada em língua portuguesa. Fundado em 7 de novembro de 1825, procurou sempre, como sempre disse de si, ‘inspirando-se nas lições de um rico passado histórico, atualizar-se tecnologicamente, sendo esse constante empenho um dos trunfos de sua longa vida’. E para isto proclamava e proclama que imprime hoje 70 mil exemplares por hora, com fotos e anúncios coloridos – sim, os belos anúncios, que sem eles, sem essas jóias da coroa do mundo capitalista, nenhum belo pensamento se publica em papel de imprensa.
De mais antigo dos jornais à mais antiga das profissões não há nem pode haver qualquer semelhança. Do bom e honesto diário de anúncios, como se idealizou em seu primeiro editorial, jamais alguém poderia supor que um belo dia viesse a oferecer o pesado corpo de 400 toneladas da rotativa a qualquer preço vil. Não a antiga musa do pensamento liberal da pracinha, não a formosa e divina dama da democracia nordestina. Por qualquer e vil preço nunca jamais.
E por 150 mil?
E por um preço menos vil, pode? No blog que se tornou um dos mais lidos da imprensa, o jornalista Ricardo Noblat nos informa que por 150 mil reais por mês a feroz virtude do mais antigo dos jornais se amansa. É dele, do blog de Noblat, a terrível informação postada na sexta-feira (19/8), às 15h09:
‘Repousa em uma das gavetas da mesa de Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara dos Deputados, correspondência assinada pelo jornalista Joezil dos Anjos Barros, o executivo número 1 do jornal mais antigo em circulação na América Latina, o Diário de Pernambuco.
Joezil propôs que a Câmara pagasse mensalmente ao jornal a bagatela de R$ 150 mil a título de ‘relacionamento institucional’. Mediante tal pagamento, o jornal trataria, digamos, com mais carinho o noticiário sobre as atividades da Câmara, especialmente do seu presidente.
Severino não topou. Sequer acusou o recebimento da correspondência.’
Essa informação não recebeu qualquer desmentido. Pelo contrário. A julgar por alguns dos 67 comentários mereceu alguns acréscimos. Por exemplo, ‘Joezil Barros é aposentado como juiz classista do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco. Participou do esquema que fez o judiciário leiloar o prédio da AIP. Sempre foi o ‘homem’ da área comercial do Diário. Apesar do título de ‘jornalista’, nada escreveu durante a vida inteira. Melhor dizendo, escreveu muito cheque’.
Quanta injustiça
Se esquecemos a correspondência que gerou a notícia, alguns desses comentários foram bem injustos. De recomendações a Severino Cavalcanti para que entregasse a carta à polícia, pois ela, a carta, não passava de chantagem disfarçada, a reclamos de que o povo já perdera valores morais, ética, pois um cara desses teria que ser processado, até mesmo à descrença de que o jornalista fosse tão burro a ponto de escrever a proposta que fez, houve de tudo.
E a injustiça se vê quando se consultam os 48 anos de serviços, somente serviços, e dedicação, prestados à rede Associados por Joezil Barros. Começou como repórter da Rádio Clube, depois foi para a editoria de política do Diário, mas viu todo o seu gênio florescer como gerente de publicidade da empresa – cargo, melhor dizendo, felicidade que o tornou um dos homens mais fortes de toda história dos Associados. Em seu perfil, anota-se que nessa função passou apenas 11 anos. Modéstia, ou engano. O tino comercial de Joezil Barros veio bem antes que ocupasse o cargo, e se estendeu além de quando largou oficialmente a função. Ele é, realmente, a alma do caderno ‘Classificados’ do Diário do Pernambuco. Sabe tudo, do torto ao direito, do por dentro ao por fora, do quanto custa e do como custa um anúncio. Da página ímpar à página par, e até mesmo a páginas que não aparecem como ímpares ou pares, nesse prodígio da aritmética que são os números ocultos à contabilidade bisbilhoteira.
Em bom português, isto quer dizer que na fase em que o Diário de Pernambuco foi uma empresa mais livre, de controles gerenciais, por exemplo, ele negociava anúncios e pacotes de anúncios com descontos os mais inverossímeis, que se transformavam em patrimônios de longa duração do gerente. Assim o lembram ex-empregados do jornal, quando se recordam do poder que ele detinha em desconsiderar preços ou multiplicar e dividir tabelas, com a miserável cumplicidade da diagramação. Mas isto, como afirma Fernando Henrique Cardoso, isto é história. Passemos ao presente.
O senhor presidente
De gerente de publicidade, Joezil Barros foi a diretor comercial, deste a superintendente, daí a vice-presidente do conselho de administração, até chegar ao cargo ou felicidade atual de presidente do conselho de administração dos Diários Associados. Honroso posto que acumula com a superintendência das empresas dos Associados em Pernambuco – jornal, rádios e televisão. Um homem assim, e os seus inimigos resistem a vê-lo dessa maneira, um homem com tão altas funções, mais que jornalísticas, pode muito como criador de imagens públicas, pode quase tudo numa região de pouca liberdade, pode tudo, quando a isto soma a experiência de negócios e venda de anúncios. Não se espantem os ingênuos, quando o tomam por burro, por escrever e assinar uma proposta que o senso humano julga indecorosa.
O deus Joezil Barros sabe de que barro é feita a espécie humana. O que ele sabe fazer, o que foi a sua vida, o que é o seu projeto social, o que é a sua ação política para o mundo brasileiro? Negócios, negócios, negócios. Ele é um vendedor, um dos melhores. E à custa de tão altas qualificações está e é a felicidade onde se encontra, a mais alta honra dos Diários Associados. Que ele se dirija assim à presidência da Câmara dos Deputados não há nem pode haver surpresa. É da sua história, sucesso e experiência.
Para ele, o espanto é que disso se espantem. A falta de ética é de Severino Cavalcanti, em fazer vazar um negócio tão legítimo. A safadeza, a falta de caráter é de Ricardo Noblat, em divulgar acordos que se fazem há décadas. A ingenuidade, a burrice é dos leitores que acreditam na indignação das manchetes dos jornais. Nesse ritmo vão terminar por acreditar que é imoral transformar em estadista o mais famoso político de João Alfredo (PE).
******
Jornalista e escritor