Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mesmo raciocínio, títulos opostos

Manchete da página C2 do jornal Valor de 31 de março: ‘Governo descarta renovação do programa com FMI no próximo ano’.de matéria na página B4 da Folha de S. Paulo do mesmo 31 de março: ‘BC não descarta acordo com FMI’.

Alguém teria errado? Não, pela leitura das matérias, ambos os jornais acertaram. É verdade que a Folha destoou da maioria dos demais jornais brasileiros. Quase todos deram destaque às informações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, durante depoimento, no dia anterior, à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O ministro declarara, textualmente: ‘Não queremos um novo acordo porque ele não é necessário’. Até a Folha deu destaque à fala do ministro, mas sua declaração sobre o ‘descarte’ do novo acordo foi ignorada.

Com ênfase na declaração do ministro, o jornal Valor escancarou a manchete de página. Mais abaixo, ainda o Valor, em matéria intitulada ‘Dispensa do Fundo preocupa analista’, mostrava que o mesmo debate sobre o acordo brasileiro com o FMI era debatido em Lima, na reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo o Valor, nesta reunião o presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, teria reproduzido o ministro da Fazenda e afirmado que o país não pretende ‘alongar o acordo com o FMI após o seu encerramento, no fim deste ano’.

Mais desinformação

Meirelles não descartou, com a mesma clareza com que Palocci fizera, a renovação do acordo. De forma que o Valor acertou e a Folha também. Embora a Folha, ‘forçasse a barra’ no título. Como Meirelles não ‘descartou a renovação’, coisa que Palocci fizera em Brasília enfaticamente, o matutino paulista tascou sua interpretação das declarações.

Como é possível que dois jornais afirmem em títulos conclusões opostas e ambos estejam formalmente corretos? Ora, eis os problemas do jornalismo declaratório. De fato, o ministro Palocci ‘descartou a renovação do acordo com o FMI’. Portanto, Valor e a maioria dos demais jornais brasileiros acertaram.

Por outro lado, também é verdade que, em Lima, o presidente do Banco Central, com os mesmos argumentos de Palocci, não foi enfático o suficiente para ‘descartar’ o acordo. A frase de Meirelles destacada na Folha mostra o mesmo argumento das autoridades econômicas brasileiras: ‘A nossa previsão é que não haverá necessidade de renovar o acordo’, disse o banqueiro à Folha.

Os jornais enfatizaram o verbo descartar, usado exclusivamente por Palocci. Não erraram, mas também não informaram corretamente aos leitores.

Neste aspecto, a Folha desinformou bem mais. Destacou uma coisa que Meirelles não disse e ignorou o que Palocci afirmou. Forçoso dizer: o longo depoimento de Palocci no Senado mereceu do jornal Valor, no dia dos 40 anos do golpe militar, uma chamada na primeira página, acima da dobra. E, além das matérias citadas, uma outra, na página A3 mostrando que o ministro fez um grande esforço, bem-sucedido, para ‘acalmar o mercado’. O leitor da Folha ficou mais longe ainda do que ocorria na economia brasileira.