A internet tem sido mesmo uma revolução nas comunicações da sociedade contemporânea. Entre as muitas potencialidades que tem, destaco a capacidade de disseminar, em frações de segundo, uma simples mensagem mundo afora. A partir e através da rede, o Brasil reviveu uma velha polêmica nacional – o preconceito sofrido pelo povo nordestino no Sudeste do país. No entanto, parece-me que as reações ao fato desencadeado pelo Orkut (publicização do preconceito por uma jovem paulista, supostamente em desabafo ao resultado das eleições presidenciais) deixaram de lado uma questão ainda mais importante que, na minha opinião, necessita ser refletida pela população brasileira: o mito da integração.
Li muitos comentários, matérias, artigos acerca da declaração explícita de preconceito contra os nordestino(a)s – coletivo do qual faço parte – e percebi que as pessoas que se posicionaram (inclusive meios de comunicação consagrados, como a Folha de S.Paulo) ou fizeram para criticar a autora do texto, ou para anunciar as pretensões de penalização do referido ato (foi o caso dos meios de comunicação) ou para exaltar as qualidades que esse povo do lado de cá do Brasil tem. Senti falta, no entanto, de uma análise mais profunda, que desse conta de que aquele texto postado pela estudante (que é uma brasileira) reflete uma infeliz realidade do nosso país – e do mundo em geral –, que é a existência de inúmeros preconceitos que vivenciamos nas nossas realidades cotidianas.
O Brasil, um país maravilhosamente diverso, não é o lugar que pode ser classificado como integrado, no qual a cordialidade reina. Talvez, no entanto, o excesso de ufanismo acabe fechando os olhos e ouvidos de muita gente – inclusive de jornalistas, publicitário(a)s, políticos – que prefere desconsiderar os inúmeros conflitos existentes em nossa sociedade, como o racismo, a homofobia ou o bairrismo, entre outros.
Problemas precisam ser encarados de frente
A jovem, autora da infeliz manifestação, fez apenas o que milhões de brasileiro(a)s não têm coragem de verbalizar, mas demonstram em atitudes cotidianas. Quantas vezes vemos pessoas com atitudes preconceituosas em relação a homossexuais, a transsexuais, a gordo(a)s, a baixinho(a)s, a moradore(a)s de periferia, a negro(a)s? Aqui mesmo, na capital baiana, já está mais do que provado o fato de pessoas oriundas de determinados bairros sofrerem preconceito ao pleitearem um posto de trabalho. Saindo da Bahia, o que dizer, por exemplo, do racismo no Ceará? Ou da maneira como empregado(a)s doméstico(a)s são tratado(a)s em considerável parte dos lares brasileiros onde trabalham – muito próximo do tratamento dispensado aos escravizado(a)s?
Se pararmos para observar outros âmbitos, perceberemos, por exemplo, que em diversas programações televisivas, os modos de falar, os sotaques, a estereotipização de determinados personagens instigam a repulsa e a discriminação contra nortistas, nordestinos, pessoas com baixo nível de escolarização, homossexuais… Isso sem falar no racismo explícito, quando verificamos a quase inexistência de negro(a)s nas obras de ficção, nos telejornais, nas peças publicitárias…
Portanto, fazemos parte de um país não tão maravilhoso assim. Ainda temos muito o que aprender em termos de integração e o texto dessa estudante postado no Orkut (e retirado após as polêmicas geradas) somente comprova este fato. A moça apenas expressou, diretamente, o que muito(a)s não têm coragem de fazer; ela foi ‘politicamente incorreta’.
E para finalizar, a imprensa brasileira, e principalmente as instituições educativas, deveriam, na minha opinião, utilizar o ‘gancho’ criado por este fato para desencadear um amplo debate a partir do qual possamos expor e discutir essas mazelas da sociedade brasileira, objetivando construir meios para bani-las, a fim de que não mais as camuflemos sob o discurso da integração e cordialidade. Os problemas, para serem equacionados, precisam ser encarados de frente.
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Doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid, professora dos cursos de Comunicação Social da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA e diretora de Agenciencia – Comunicación Científica