A quem interessa dizer que as mulheres que trabalham fora, cuidam da casa e da educação dos filhos são menos estressadas do que as que não têm dupla jornada de trabalho?
Esta foi a pergunta que Veja não fez ao divulgar – sem questionamentos – os resultados de uma pesquisa feita com 220 mulheres (‘Sem tempo para ninharias – Pesquisa diz que a mulher que trabalha fora e ainda cuida da casa é menos sujeita ao stress’, Veja nº 1959, 7/6/2006). Baseada na pesquisa da ISMA (Internacional Management Association), Veja afirma que, para as mulheres, ‘conciliar o trabalho, a atenção aos filhos e os afazeres domésticos é menos estressante do que se dedicar a apenas uma dessas tarefas’.
Se o resultado da pesquisa teria que ser questionado, o que dizer então da explicação encontrada? ‘Ao exercer duas ou mais atividades de igual relevância, a mulher divide suas preocupações e deixa de concentrar todas as expectativas e frustrações em apenas uma delas. Ou seja, para dar conta de múltiplas tarefas, acaba por não dar tanto peso aos problemas menores’.
Veja poderia, ao menos, ter listado esses ‘problemas menores’ que preocupam as mães que trabalham. Como, por exemplo, escolher entre uma reunião importante no trabalho e o filho que fica em casa com febre. Ou perder a reunião da escola marcada justamente para o período em que está trabalhando, ou chegar atrasada para buscar o filho na escola porque o expediente foi além do previsto. Isto para não falar de problemas ‘menores ainda’, como ser preterida em promoções porque não pôde viajar a serviço e não ganhar aumento porque sempre há o risco de engravidar de novo e ser beneficiada como uma longa licença maternidade. E aqueles dias em que, mesmo sem ter chiliques, seu rendimento no trabalho cai porque está preocupada como rendimento escolar dos filhos?
Uma revista de circulação nacional, dona de centenas de milhares de leitores, não poderia ignorar o fato de que, entre seus públicos, há uma grande parte de mulheres que cuidam da casa, criam filhos e tentam, a todo custo, fazer uma carreira profissional. A revista e seus editores não estão em campanha contra o trabalho feminino e muito menos contra os direitos das mulheres. O mais provável é que viram na matéria uma chance de fazer graça, alfinetando as mulheres, ao dizer que ‘a dupla jornada de trabalho […] tem sido usada como explicação para o elevado grau de estresse entre as mulheres’.
Matéria ‘engraçada’
Para não dizer que baseou uma matéria inteira numa só fonte, a revista buscou reforço para sua tese em outra pesquisa, essa da University College London, que afirma: ‘Mulheres na faixa dos 50 anos que são mães, esposas e trabalham fora têm melhor saúde e menos problemas de sobrepeso’. Como se vê, além de evitar estresse, a dupla jornada ajuda a emagrecer…
Se a intenção era fazer uma matéria séria e não apenas comprovar que essa história de estresse feminino é mito, a revista poderia ter divulgado outra pesquisa sobre o tema, feita pela Duke University, dos Estados Unidos, que pode ser lida em sites brasileiros, como o ClickFilhos. Segundo os pesquisadores americanos, ‘o nível de cortisol, adrenalina e testosterona, substâncias ligadas ao estresse, é três vezes maior em mães que trabalham. A alteração dos hormônios dos homens e mulheres sem filhos aumenta durante o expediente e cai à noite; o das mães não baixa, e em alguns casos chega até a crescer’.
Se houvesse alguma preocupação além de fazer uma matéria ‘engraçada’, a revista poderia ter apurado dados sobre o trabalho feminino, as reclamações das mulheres ou simplesmente mostrar que uma pesquisa feita com 220 mulheres – apavoradas com a perspectiva de perder o emprego ou a promoção – pode ser distorcida. Ou bastaria, simplesmente, perguntar a quem interessa derrubar ‘o mito’ de que a dupla jornada é estressante.
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Jornalista