Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O mundo ganhou?

A reportagem da CartaCapital nº 482 é a melhor que li sobre as primárias norte-americanas. O texto de Antonio Luiz M. C. Costa tem vários méritos e sugeriu-me uma séria indagação. Várias vezes, ao longo do texto, o autor faz referência ao sentido norte-americano dos vocábulos que emprega. A política se constrói como discurso, pois este é o elo entre o líder e a população. Portanto, todo discurso político tem como característica ser limitado pela cultura em que foi produzido e a que se destina. Como as culturas norte-americana e brasileira são diferentes, se o jornalista não tomar o cuidado de explicitar o sentido dos vocábulos que emprega sua matéria sobre as eleições dos EUA tenderá a produzir graves distorções semânticas.

O texto de CartaCapital dedica o mesmo espaço às controvérsias republicanas e democráticas que permearam as primárias. Levando em conta o fato de que alguns órgãos de comunicação brasileiros quase fizeram campanha pró Hillary Clinton ou Barack Obama, a matéria referida pode ser considerada uma aula de jornalismo.

Não se espera do jornalista que não tenha opinião política, mas que não as deixe contaminar decisivamente seu trabalho. O mundo é muito rico e a política um lugar extremamente complexo. Quando se deixa trair pelas suas preferências pessoais, o jornalista não permite ao leitor captar as pequenas, mas essenciais, distinções entre os líderes políticos.

Imperialismo preventivo

O autor ressalta que, apesar de pertencer ao Partido Republicano (o mesmo do atual presidente), John MacCain é contra a tortura porque foi torturado no Vietnã. Mesmo sendo oposicionista, Hillary é uma Clinton e sua eleição acarretaria a aristocratização dos EUA, pois ‘duas famílias, os Bush e os Clinton, terão governado o país por toda uma geração, 24 a 28 anos’. O texto tem o mérito de demonstrar de maneira clara como os neoconservadores de George W. Bush, que são favoráveis à tortura e deploram o liberalismo democrata, ficarão sem a Casa Branca. Mas admite que nem por isto os mesmos deixarão de ser uma força política importante.

O título da matéria da CartaCapital dá a entender exatamente o oposto do que enuncia. Num mundo realmente multilateral, o resultado das eleições americanas seria irrelevante. Quem se importaria se o presidente dos EUA será a esposa do Clinton, o MacCain, o office-boy do Bush Jr. ou o Barack Obama se a ONU não se resignasse a carimbar proved em todo projeto de intervenção militar norte-americana?

Só num mundo marcado pelo imperialismo preventivo norte-americano faz diferença quem ocupará a Casa Branca. Fomos reduzidos à condição de províncias imperiais e a imprensa registra isto sem se dar conta?

******

Advogado, Osasco, SP