Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Natal que temos não mais teremos

Prefiro o Menino Jesus no presépio, ao lado do burro, do boi e das ovelhas, em vez do Papai Noel. Animais são boas companhias para todos nós e o foram para Jesus também. Nenhum deles o denunciou, maltratou, açoitou, fincou-lhe pregos nas mãos e nos pés, ou enfiou-lhe uma lança no coração. Foram homens que fizeram isso com Ele.


Não tenho simpatia pelo Papai Noel. Ele lá e eu cá, como disse o juiz aposentado quando, sendo padrinho da filha da empregada, respondeu ao padre quando este lhe perguntou se renunciava a Satanás. ‘Satanás lá e eu cá’, disse o Juiz ao padre. ‘Desde menino seguimos este modo de convivência: ele não se mete em meus assuntos, eu não me meto nos dele. Tem dado certo. Por que vou alterar o contrato com o Demônio agora, depois de mais de 70 anos?’.


Quem resolveu o conflito foi a mãe da criança, que disse ao padre: ‘Ele renuncia, sim, o doutor é meio confuso nesses assuntos, mas é boa pessoa, seu padre, ele renuncia, sim’. E a cerimônia do batizado prosseguiu.


O melhor foco


Sei que os políticos, sempre eles, estão aí dizendo que este é o melhor Natal dos últimos que têm havido. Usam o seguinte indicador: nunca antes se vendeu tanto. É verdade o que dizem. Isto é, acho que deve ser. Todos parecem comprar muito, principalmente o que não precisam. Lembrei que já fui muito feliz quando não podia comprar quase nada no Natal e já fui muito infeliz quando comprei quase tudo o que quis.


Às vésperas do Natal, num bar, fiquei ao lado de uma jornalista que no passado me entrevistou várias vezes. Ela lamentou que a Língua Portuguesa desça a ladeira em todos os lugares e também entre repórteres da TV que dizem ‘fazem anos que…’, ‘foco no cliente’, ‘customizar’, ‘expertise’, ‘choque de gestão’, ‘agregar valor’ e ‘afinar a equipe’, sem que se saiba o que querem dizer com isso.


De todo modo, a bebida era boa, e os petiscos também. O que impedia de a gente conversar era um telão em que uma dessas ‘deusas’, ‘celebridades’ – ‘são todas umas piranhas’, gritou alguém mais exaltado – se sacudia e cantava. Mais pulava do que cantava. E um dos câmeras passou o show inteirinho querendo mostrar a calcinha da beldade. Quando enfim conseguiu, mostrou urbi et orbi que a deidade usava uma caçola até a metade das coxas.


Menos um


Já faz alguns anos, publiquei no Primeira Página e no Jornal do Brasil uma crônica sobre o Natal que chegou às mãos de um bispo de Porto Alegre chamado Dom Valmor. Ele pediu licença e a republicou no Almanaque de Santo Antônio. Lamentei que meu pai já tivesse morrido, pois nenhum de meus feitos como escritor teria o mesmo valor de ser publicado no Almanaque que ele lia.


A tal crônica, intitulada ‘Natal: a fantasia e a riqueza das versões’, começa lembrando que o nascimento de Jesus deu-se por volta do ano 5 a.C., que já foi celebrado em 20 de março e 28 de maio, que os magos não eram três nem reis, provavelmente jamais existiram, mas seus ossos estão num dos altares laterais da famosa catedral de Colônia, na Alemanha, aonde chegaram no século 12, vindos de Milão.


Este ano, minha filha, fluente em alemão, me deu de presente a versão de ‘Ouro, Incenso e Mirra’, conto que publiquei no Estado de S.Paulo há alguns anos. A tradução foi feita no Instituto Goethe, sob orientação do professor A. Keller, que se aposentou e foi plantar acerola no interior de São Paulo.


Estou com vontade de fazer o mesmo, mas não para plantar acerola. Sempre tive o sonho de fazer de novo o que, sob a batuta de Tarso Genro, hoje ministro da Justiça, fizemos no passado, em Ijuí e em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul: um jornal pequeno, valente e independente, o semanário Informação, hoje objeto de uma tese para a qual uma pós-graduanda está colhendo depoimentos.


Mais um Natal se vai. Na verdade, é menos um. Pois os Natais que já temos são aqueles que jamais teremos de novo.

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de pesquisa e pós-graduação e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são Os Segredos do Baú (Peirópolis) é A Língua Nossa de Cada Dia (Novo Século); www.deonisio.com.br