Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O noticiário a reboque do governo

Em suas edições desta sexta-feira, os jornais mostram uma notícia que especialistas e ambientalistas brasileiros já vinham antecipando: o governo brasileiro não fixou metas de redução das emissões de gases-estufa no documento que deverá apresentar no início de dezembro em Poznan, na Polônia, à 14ª Conferência das Partes (CoP-14) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

A forma como a notícia foi dada é mais um indicativo de que a imprensa em geral está cada vez mais passiva em relação às ações governamentais de divulgação na área de meio ambiente. Alguns veículos já haviam noticiado em abril deste ano que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) só divulgaria agora esse documento. Houve, portanto, tempo de sobra para eles abordarem o assunto com antecedência em vez de se deixarem pautar pelo governo e surpreenderem o leitor com a crônica de uma omissão anunciada.

Uma das raras exceções a essa passividade foi o jornal Valor Econômico em sua edição de 19/09/2008 com o artigo ‘Mudanças de clima: quem tem medo de metas no Brasil?‘, de Rubens Born e Juliana Russar, ambos do Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz, uma ONG que tem acompanhado as negociações internacionais em mudança de clima desde antes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.

Lembrando na CoP-13, em Bali, na Indonésia,em 2007, o Brasil concordou que os países em desenvolvimento devem adotar ações mensuráveis de redução de emissões de gases-estufa, inclusive porque cerca de 75% delas no país se devem ao desmatamento e há a tendência de crescimento relativo daquelas originadas de combustíveis fósseis, o artigo dos dois ambientalistas já apontava os rumos governamentais na construção do documento apresentado ontem pelo MMA e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Ações corporativas

No entanto, pronunciamentos oficiais, notadamente originários dos Ministérios das Relações Exteriores (MRE) e de Ciência e Tecnologia (MCT), rejeitavam compromissos na forma de metas para países em desenvolvimento, interpretando isso como cortes obrigatórios de emissões, que até agora são exigidos somente de países desenvolvidos.

No final das contas, acabou prevalecendo na imprensa o esquema de divulgação armado com eficiência pelo governo. Mas, felizmente, desta vez a imprensa em geral não embarcou na retórica governamental do modo mostrado por este blog com a postagem ‘Amazônia: Imprensa se deixa pautar pelo governo‘, de 30/08/2008. Apesar da nota do MMA de título capcioso ‘Plano Nacional de Mudanças do Clima incorpora metas de redução do desmatamento‘, ficou claro para todo mundo que não foram traçadas metas, exceto a de substituição de 11 milhões de geladeiras com mais de dez anos de fabricação. O MCT, por sua vez, foi mais equilibrado com a nota ‘Ministros apresentam Plano Nacional de Mudança Climática‘.

O que está aqui em questão não é se o governo deveria ou não ter traçado as metas cobradas pelos ambientalistas e com as quais concordou na COP-13. O problema é com a imprensa, que se mostra cada vez mais a reboque das ações de divulgação governamentais. Vale a pena ressaltar a influência crescente das ações corporativas de comunicação na agenda da mídia, que já havia sido apontada por pesquisas devidamente enfatizadas neste blog com a postagem ‘O mal-estar na informação‘, de 19/08/2009.

PS: O jornalista Cláudio Ângelo, editor de ciência da Folha de S. Paulo, enviou um comentário para este blog lembrando que a matéria ‘Plano nacional para o clima será refeito’, publicada por ele na terça-feira, havia antecipado a falta de metas do documento do governo. Em primeiro lugar, ressalto com grifo o que escrevi no segundo parágrafo acima: ‘A forma como a notícia foi dada é mais um indicativo de que a imprensa em geral está cada vez mais passiva em relação às ações governamentais de divulgação na área de meio ambiente.’ A ressalva se deve a exceções, como as equipes de ciência da Folha e d’O Estado de S. Paulo, que têm sido cuidadosas com os artifícios de divulgação governamentais.

Em segudo lugar, embora o tenha feito criticamente, o que a Folha fez com a citada reportagem foi noticiar o teor do documento pronto. O texto acima se refere à passividade da imprensa em geral durante longos meses em que o rascunho foi elaborado. É verdade que a situação não devia ser muito diferente disso na sexta-feira da semana passada, quando o Valor Econômico publicou o artigo citado. Mas, afinal de contas, não é um artigo de nenhum jornalista, mas de dois ambientalistas que já vinham alertando há meses para os rumos da redação em curso. (Vide o informativo do Vitae Civilis de junho.) Não se trata de cobrar da imprensa que faça parte do lobby ambientalista, mas de atuar como monitor independente em relação àquilo a que o próprio poder público se propôs.

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente