Um jornal americano publicou um texto sobre o Brasil com o título “Guerra que não ousa pronunciar seu nome assola o Brasil”. Este tipo de “guerra” deve ser incompreensível para eles – os americanos ainda não entenderam que o Brasil não é um país convencional. Conformados, convivemos com a opulência e a miséria, com a paz e a violência, com a modernidade e o atraso, tudo ao mesmo tempo, como se estivéssemos condenados por um determinismo histórico, sem perspectiva alguma de mudança.
Não foi difícil para eles perceberem que estamos em meio a uma guerra civil não declarada… Que impera a desordem, que acabou o respeito às instituições e às autoridades constituídas. Assaltos, agressões, sequestros-relâmpagos e assassinatos fazem parte da rotina dos brasileiros. Os noticiários informam, quase todo dia, que presidiários comandam quadrilhas de dentro das penitenciárias, que bandidos explodem caixas eletrônicos e carros fortes, derrubando paredes e tudo o que estiver por perto. A solução, por enquanto, é fechar os postos de atendimento…
Mas a imprensa americana deveria ter explicado as razões desse estado de coisas. Uma delas todo mundo sabe: o tratamento que é dado aos policiais num país que exibe uma das maiores economias do mundo. Infelizmente, o quadro que emerge é pouco edificante: para combater bandidos armados até os dentes, policiais recebem salários miseráveis. Muitos precisam esconder a atividade que exercem para proteger suas famílias, sustentadas com o auxílio de trabalhos paralelos executados por eles durante as horas de folga…
Elite insensível, burocratas incompetentes
É difícil entender por que os policiais são tão maltratados num regime que se diz democrático. Os governantes deveriam lembrar que, quando foi instituída a democracia do jeito que a conhecemos hoje, um passo importante foi dado pela humanidade. No já distante século 18, Rousseau e Montesquieu ensinaram, em obras como Espírito das Leis, que o Iluminismo inspirava um novo tipo de sociedade: o poder seria dividido entre o Legislativo, o Judiciário e o Executivo, os quais seriam encarregados de gerir o destino dos cidadãos. Seriam poderes harmônicos e independentes, mas com o mesmo peso, com o mesmo valor, com a mesma importância.
No Brasil não é bem assim; conseguiram mudar esta conquista. Para constatar isso, basta comparar o tratamento dispensado aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário com o tratamento que é dado aos servidores do poder Executivo, em especial aos policiais civis e militares. A pergunta é inevitável: por que só alguns servidores públicos exercem seus ofícios com nobreza em locais confortáveis, havendo sempre verba prevista no orçamento para a correção de seus salários e subsídios? É evidente que os policiais precisam ter o mesmo (correto) tratamento, pois a sociedade, que remunera a todos através do pagamento de todo tipo de imposto, o faz sem nenhum tipo de discriminação.
Por que a maioria das delegacias são pardieiros indignos, onde ninguém consegue ficar à vontade? Por que elas são desatualizadas, desconfortáveis, com xadrezes mal-cheirosos e imundos? Não defendo a perda do status de ninguém, o que precisa ser explicado é por que somente os policiais devem ser penalizados, muitos dando até suas vidas em troca de uma existência miserável e sem reconhecimento. Eles não podem ser lembrados apenas nas horas de crise ou serem vistos como “capitães do mato” por uma elite insensível, acuada em fortalezas, e por burocratas incompetentes que insistem em ignorar essa realidade.
Para fazer parte da modernidade
De maneira incompreensível, o Rio Grande do Sul, estado que ostenta alto índice de qualidade de vida e desenvolvimento, paga o pior salário do país para seus policiais militares que, no limite de suas forças, tentam negociar. Enquanto isso, a população assiste à queima de pneus em estradas e são vistos bonecos fardados de policiais com cartazes no peito pedindo socorro. Os autores dessas ações não foram identificados, mas é evidente que isso não precisaria estar acontecendo, bastaria que o governo entendesse que em países civilizados a atividade policial é essencial. A queima dos pneus está tornando-se um símbolo desta luta.
Os americanos poderiam publicar também em seus jornais que, apesar da guerra civil não declarada, o Brasil apresenta coisas admiráveis. Dentre elas, um sistema eleitoral invejado, que disponibiliza resultados em poucas horas. Um fisco que permite aos cidadãos declarar seus ganhos em poucos minutos através da internet, e ainda um sistema bancário exemplar, que funciona em tempo real em todo seu imenso território. Essas são algumas conquistas, são as “crianças” saudáveis e bonitas, geradas por pais e mães orgulhosos. Os policiais precisam fazer parte desta modernidade. Essa “criança” precisa ser tratada com o mesmo carinho.
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[Valacir Marques Gonçalves é jornalista e bacharel em Direito, Porto Alegre, RS]