Não é nada comum que os países latino-americanos, principalmente os mais pobres, sejam notícia na mídia brasileira. Ela é pautada pelas agências de notícias européias ou norte-americanas, que só em situações muito especiais dão espaço a essas nações. Com relação à Bolívia, foi necessário que o presidente Carlos Mesa renunciasse, estando ele no cargo há cerca de um ano e meio, para ganhar alguns segundos no Jornal Nacional, e alguns minutos no Jornal da Globo. E, depois, que o Congresso boliviano recusasse a renúncia para que novamente ganhasse espaço na mídia brasileira. Mesmo assim, a cobertura, na maioria dos veículos, restringiu-se ao factual, e tratou tudo como algo inesperado.
Há muito tempo Carlos Mesa ameaçava largar a presidência. Em janeiro, quando estava na Bolívia, vi o desenrolar dos acontecimentos que culminariam no pedido de renúncia de Carlos Mesa. Os sindicalistas já bloqueavam as estradas, e sendo bastante agressivos com quem tentava furar o cerco. Um clima de instabilidade política muito grande. Era protesto contra o ‘gasolinaço’ – aumento no preço dos combustíveis.
Simples subúrbio
O país prosseguia sua vida pacata (por causa da grande cordialidade boliviana e o temperamento tranqüilo deste povo), mas existia a certeza de que aquela situação era insustentável. A imprensa do país trazia, praticamente, uma única notícia. O presidente preferia agir da forma mais pacífica possível, e de forma alguma reprimia os bloqueios.
Os dias iam passando e o nível de instabilidade aumentando. Para sair de La Paz para Copacabana tive que viver uma aventura cinematográfica. Os taxistas, que cobravam geralmente 10 dólares pelo percurso, pediam 100 dólares: tinham que passar por áreas alagadas, terrenos cheios de pedras e muitos buracos, para escapar dos trechos bloqueados. Não havia certeza de se chegar ao destino.
Pela TV a cabo acompanhava os telejornais brasileiros, e estes simplesmente ignoravam a situação. Pela internet lia os principais jornais, e o máximo que encontrava eram notas sobre o assunto. Era angustiante. Como se os jornalistas brasileiros tivessem esquecido que o Brasil faz parte da América do Sul.
O noticiário internacional dá a impressão de que o Brasil é uma espécie de subúrbio europeu ou norte-americano. São resquícios de nosso período colonial, que nos deixou o ‘complexo do colonizado’, ou seja, esse deslumbramento com o que vem dos países desenvolvidos.
Agência forte
A realidade latino-americana contribui muito mais para a compreensão do que é o Brasil do que aquilo que o noticiário internacional privilegia. Essa mobilização social na Bolívia, por exemplo, é uma reação ao controle da economia do país pelo capital internacional, algo bem conhecido por nós. Mas o boliviano tem consciência disso bem maior do que o brasileiro. Mesmo pessoas simples, como motoristas de táxi, têm um discurso articulado e com muitas informações sobre a questão.
Também era de grande valor jornalístico a crise política que a Bolívia vivia pela situação paradoxal: a grande maioria da população apoiando o presidente, e ele prestes a renunciar por causa de protestos. Os bolivianos diziam de forma comovente: ‘É um homem honrado, um grande homem’. E se mostravam orgulhosos de ter um intelectual no poder. Conversando com o jornalista e pensador da comunicação Luís Ramiro Beltrán, uma das pessoas mais respeitadas do país, era clara a admiração e preocupação com Carlos Mesa.
No entanto, o pouco espaço dado aos países latino-americanos na imprensa brasileira é não só escolha, mas dependência dos serviços das agências internacionais. Para mudar essa situação seria necessário o surgimento de uma agência forte de notícias, com sede fora dos países hegemônicos.
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Jornalista, professor da PUC-Minas Arcos e doutorando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo