No mês passado aconteceu uma importante sucessão no jornalismo brasileiro: o jornalista Mário Magalhães assumiu o cargo de ombudsman da Folha de S.Paulo no lugar do jornalista Marcelo Beraba, que deixou o cargo por estar completando seu segundo mandato de um ano, pois dois mandatos de um ano são tempo máximo, naquele jornal, em que seu ombudsman pode ser a mesma pessoa. Considero esse fato importante porque a Folha é o único grande jornal do país – além de ser o jornal de maior circulação – que tem ombudsman. Na verdade, o ombudman da Folha é um dos raríssimos ouvidores que a imprensa brasileira oferece ao seu público.
Magalhães, em sua primeira coluna dominical – e é só aos domingos que o leitor da Folha impressa pode ler seu ombudsman –, começou bem, em meu juízo. De cara, saiu dizendo que a Folha havia se tornado previsível, incapaz de surpreender, e criticou o fato de todos os grandes jornais do país serem conservadores. A coluna de estréia do novo ombudsman da Folha foi capaz de quebrar um pouco, ainda que por um átimo, a monotonia condescendente com que a imprensa brasileira trata a si mesma. Mas, nas semanas seguintes, os bons presságios gerados por aquela coluna inicial revelaram-se exagerados, ou inocentemente otimistas…
O novo ombudsman apresentou um estilo novo, algo instigante, e que poderia gerar satisfação a este atento leitor dos escassos (no Brasil) observadores críticos da imprensa com espaço em veículos de comunicação de massa se não fosse o fato de que a seu estilo menos modorrento do que o do antecessor e sua evidente vontade de trabalhar não se somaram à coragem para tocar nos pontos ‘G’ do jornalismo brasileiro, uma coragem que pensei que o ouvidor fosse demonstrar.
Preferência política
Sobre ‘estilo menos modorrento do que o do antecessor’ e ‘evidente vontade de trabalhar’, devo explicar que os dois tópicos são, na verdade, um só. O ex-ombudsman Marcelo Beraba já vinha mostrando saturação com um cargo que seguramente não é invejado por jornalista nenhum, pois obriga – ou deveria obrigar – seu ocupante a tocar em pontos de que a imprensa não gosta nem um pouco. E Beraba tocou, até próximo do fim de seu mandato. Mário Magalhães, por sua vez, começa seu trabalho escrevendo bem mais do que Beraba, abordando muito mais pontos das edições diárias da Folha em sua crítica interna, publicada quase todos os dias na internet.
Onde a decepção com o novo ombudsman começa a se estabelecer de forma aparentemente duradoura é na (falta de) coragem de ao menos roçar os tais pontos ‘G’ da imprensa. Quais são esses pontos? Ora, todos sabem que o jornalismo brasileiro passa por um momento de forte questionamento de amplo setor da sociedade que vê tendenciosidade político-ideológica nele. Magalhães, depois de sua coluna inicial, vem fazendo críticas ‘chapa-branca’ e se perdendo em elogios inúteis ao veículo que tem obrigação de criticar sob a ótica do leitor, apesar de que não deve passar um só dia sem que receba montes de questionamentos sobre o notório engajamento político-ideológico do jornal. Eu, por exemplo, envio-lhe ao menos um questionamento por dia.
O recente passamento do publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, provocou tristeza por roubar um dos nomes mais influentes do jornalismo brasileiro do século 20. Porém, ensejou uma observação sobre o ‘seu Frias’, por parte do jornalista Mino Carta em seu blog, que obriga qualquer um que observa a imprensa a dar atenção especial a essa importante faceta do jornalismo nacional. Carta relatou um suposto desejo do patriarca da família Frias de não morrer antes de ver José Serra eleito presidente da República, e ainda qualificou o publisher como um dos mais empenhados ‘cabos-eleitorais’ do tucano.
Concordo com o expoente da revista CartaCapital. A família Frias, ao lado da família Marinho, da família Civita, da família Mesquita, da família Sirotsky e de algumas outras, é de direita e usa o veículo que comanda para beneficiar os políticos de sua preferência, ou seja, do PSDB e do PFL (agora travestido de ‘Democratas’). Mas esse não é o problema. É direito de qualquer um ter preferência política. Não é direito de jornalistas, entretanto, deixarem que suas preferências lhes pautem o trabalho. E é isso o que vem acontecendo no Brasil.
Processo lamentável
Mário Magalhães, o novo ombudsman da Folha, passou as semanas seguintes à sua posse sem incomodá-la ou a qualquer outro órgão de imprensa – vale lembrar que, de acordo com a definição institucional do papel de ombudsman naquele jornal, ele deve criticar, também, outros veículos. Vislumbra-se, portanto, uma piora substancial da Folha e um forte golpe na fiscalização de um Poder tido como equivalente aos três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), o quarto Poder, a imprensa.
Na verdade, a crítica ao jornalismo brasileiro vem crescendo na sociedade por iniciativa exclusiva de cidadãos autônomos (como eu), ao passo que vem decrescendo por iniciativa dos jornalistas com acesso à comunicação de massa. O Observatório da Imprensa, por exemplo, do jornalista Alberto Dines, caiu no corporativismo faz tempo. E o espaço que vem dando aos que acusam a grande imprensa de tucanismo-pefelista vem diminuindo e se tornando cada vez menos ‘visível’.
Essa diminuição drástica na auto-fiscalização da imprensa, que é a única forma de fiscalização que ela admite, coaduna-se com uma tentativa desesperada dela de se manter influente dos rumos político-ideológicos do país num momento em que a América Latina vai dando forte guinada à esquerda. Isso ocorre porque quem é dono da grande imprensa latino-americana é, invariavelmente, a direita. A guinada do novo ombudsman da Folha representa apenas mais um capítulo desse processo lamentável de crescimento da opacidade do jornalismo brasileiro.
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Nota do OI: Houve uma mudança rápida na opinião do articulista sobre o ‘corporativismo’ deste Observatório, que há 11 anos tem presença regular na web. Em mensagem enviada quatro meses atrás ao Canal do Leitor do OI (10/1/2007, às 20h34), escreveu o seguinte: ‘Prezados observadores, antes de desligar o computador definitivamente por hoje, escrevo-lhes em caráter privado para dizer que estou satisfeito. Se a grande mídia fizesse o que está fazendo o OI, eu não teria objeções. Contem comigo para ajudar a civilizar o debate, daqui em diante. Apesar de que, em alguns dias, deixarei novamente o Brasil por algumas semanas. Um abraço a toda equipe e desculpem-me pelos excessos’. Está desculpado. (Luiz Egypto)
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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br