As relações públicas e a propaganda são um tipo de poder sutil, que dobra ou constrói resistências. Suas estratégias, mensagens e performances dispensam as armas de guerras convencionais – quando estas acontecem é porque a persuasão e outras formas comunicacionais falharam.
O envio de tropas suplementares norte-americanas e européias ao Afeganistão é uma demonstração de que Barack Obama não teve tempo de dominar e parar a máquina de guerra herdada de George W. Bush – que tinha apenas 30% de aprovação, em agosto de 2008, segundo pesquisa da CNN/Opinion Research Corporation Poll – e impor o poder brando das palavras e da retórica.
Um tipo de poder que o professor de Harvard Joseph Nye chamou, no início dos anos 1990, de soft power, uma forma de influenciar os outros por meio da cultura, do entretenimento e da ideologia. Nye, ainda sob a influência da derrota americana no Vietnã, da aproximação sino-americana e da détente soviético-americana, ambas promovidas por Richard Nixon, e também da queda do Muro de Berlin e da dissolução da União Soviética, reciclou as idéias de Max Weber sobre o poder exercido por personalidades carismáticas, entre elas os políticos e religiosos.
O que Nye conceituou como soft power institucionalizou e valorizou ainda mais aquilo que a diplomacia tem como o seu maior atributo, o diálogo, a abertura de canais de comunicação. Além de legitimar as ações da propaganda e das relações públicas no ambiente da democracia contemporânea.
Ações que são profissionais, planejadas e veiculadas por mídias poderosas, baseadas no velho carisma e na persuasão. O professor Roberto Porto Simões, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, informa que as relações públicas como pensamento ‘abarcam o conhecimento científico que explica, prevê e controla o exercício de poder no sistema organização-públicos’.
Heróis e anti-heróis do soft power
Dentro de um contexto em que as relações públicas e a propaganda são um poder bacana e suave, que faz o serviço elegante de influenciar sem derramamento de sangue, muitas vezes os jornalistas de todos os rincões transformam os seus jornais, revistas e sites em repositórios de opiniões e certezas ideológicas.
Os trabalhadores do soft power, comunicadores e relacionadores, sabem da importância dos ritos, rituais, mitos, heróis e anti-heróis. Estes últimos para serem usados e abusados como modelos dentro de narrativas que serão espalhadas pelo mundo, para o bem ou para o mal, para as decisões de compra e de voto.
Como elemento de uma narrativa produzida pelos seus inimigos, Manuel Zelaya, o presidente deposto de Honduras, com o seu bigodão e o seu inseparável chapéu, facilmente pode ser identificado como um Saddam Hussein tropical.
Hitler produziu sua propaganda por meio de documentários com o objetivo de transformá-los em representação exata de uma sociedade que pretendia vender como ideal, perfeita e grandiosa. O nazismo, sem abrir mão do hard power, tinha o seu soft power comandado por Leni Riefenstahl, diretora de Day of Freedom – Our Fighting Forces (1935), Triumph of the Will (1934/1935) e Olympia: the festival of beauty, the festival of the people (1936/1938). Para criar e fortalecer as relações entre os nazistas, o exército e a sociedade alemã, os heróis e os modelos de comportamento apresentados nestes filmes de Riefenstahl procuravam exaltar a competência e a beleza daqueles que mantinham o regime, o ideal de raça pura e a pátria germânica.
O soft power brasileiro ainda não massificou um tipo de herói nacional usando a literatura e o cinema. O máximo que se conseguiu foi Macunaíma (1969), filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, inspirado em obra homônima de Mário de Andrade. Macunaíma, como se sabe, é um herói sem caráter, sem causa, sem trabalho, sem terra, sem escola e sem cota racial (é um negro que virou branco).
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)