O repúdio a declarações e gestos infelizes de auxiliares do presidente Lula durante o desenrolar da chamada crise área criou a idéia de que a imprensa brasileira não teria tolerância aos ditos ‘atos falhos’ de homens públicos. O ‘relaxa e goza’ da ministra do Turismo, Marta Suplicy, e o ‘top-top’ do assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, foram os episódios mais emblemáticos desta nova era no jornalismo brasileiro.
Pois bem, temos então uma imprensa que vilaniza todos aqueles que de alguma forma ocupam postos importantes na sociedade brasileira e, em um lapso, se manifestam publicamente de forma grosseira? Não! Não temos. Semana passada o presidente da Philips, Paulo Zotollo, um dos líderes do movimento oposicionista ‘Cansei’, criado após a tragédia de Congonhas, disparou, em entrevista ao jornal Valor Econômico: ‘Não se pode pensar que o Brasil é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado’ e, pasmem!, nenhuma indignação na grande imprensa.
Zottolo se desculpou – é claro –, pois não é de bom tom para um executivo de uma multinacional holandesa expressar o que pensa sobre um estado pequeno de uma região que fornece mão-de-obra barata para os grandes centros urbanos do país. Até aí, tudo dentro da formalidade. O que é de se estranhar é o silêncio, a tranqüilidade com que essa declaração foi recebida pelos jornalistas dos veículos que ultimamente têm se empenhado em bombardear comentários ‘impróprios’ de pessoas públicas – claro!, desde que sejam do PT ou do governo Lula.
Nefasta declaração
Só para lembrar: a Philips está patrocinando o movimento ‘Cansei’, articulado por setores da elite paulistana em oposição ao governo Lula. Mas, aí não teríamos um caso de interferência na soberania nacional? Vocês lembram quando o presidente venezuelano Hugo Chávez disse que o Senado brasileiro era papagaio dos Estados Unidos? Quanto ódio nossos jornalistas dispararam, com editoriais, comentários, xingamentos… Claro, tudo em nome da soberania do país, não é?
E agora? Uma empresa estrangeira pisa em solo nacional e patrocina um movimento político que tem um slogan golpista: Fora Lula! Seu diretor revela sua face nazista e ninguém diz nada! Não tem repercussão! Por quê? Onde está a fúria eloqüente do Alexandre Garcia, do Arnaldo Jabor, da Miriam Leitão, da Dora Krammer? Onde colocaram a língua? Não responderei, pois poderei estar cometendo um ato falho.
E o Ali Kamel, homem forte do jornalismo da Rede Globo? Não disse que o grande fluxo e a variedade de anunciantes garantem à grande imprensa o equilíbrio e a chamada independência? Ora! Será que a Philips holandesa ameaçou não anunciar mais na Globo se a emissora descesse o sarrafo no seu representante no Brasil? Se a resposta for sim, a teoria da independência do Kamel está errada.
Será que se o teor da declaração de Zottolo fosse usado por Lula ou alguém de seu governo ou do PT teria o mesmo desprezo? Acho que o vídeo postado pelo repórter Luiz Azenha no YouTube responde o que a maioria dos nossos jornalistas faria se soubesse que a nefasta declaração fosse dada por algum membro do governo ou pelo próprio presidente.
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Jornalista, Camaçari, BA