Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O presidente do clube e a sua TV

A mídia esportiva tem sido o principal instrumento de pressão contra os maus dirigentes do futebol brasileiro. Ela foi responsável direta pela troca de comando no Palmeiras, Corinthians e mais recentemente no Vasco da Gama. Clubes que ficaram por vários anos nas mãos de um único presidente. Que sofreram com a falta de transparência. E que tiveram o mesmo fim: a queda para a Segunda Divisão, situação que leva a zero o amor próprio do torcedor.

Sabe-se que o continuísmo cria uma série de coisas nocivas. A começar pelo número de pessoas que passam a viver exclusivamente do clube. É dali que elas tiram o sustento da família. É o parasitismo no futebol. Muitos chegam a cargos importantes sem a mínima competência. Estão ali por conta de apadrinhamentos. Palmeiras, Corinthians e Vasco tiveram que se esforçar para acabar com esse feudo dentro de suas estruturas administrativas.

O lodo que o continuísmo criou em cada um desses clubes acabava derrubando qualquer pretendente da oposição. Forma-se uma cadeia de comensais, cada qual se beneficiando de alguma benesse à custa do clube. A mídia esportiva ajudou esses clubes a saírem de um regime ditatorial, de um único presidente, para um mais aberto, mais transparente. Novos ares passaram a soprar sobre o Palestra Itália, Parque São Jorge e São Januário.

Um dos maiores clubes do mundo, o Santos Futebol Clube é a bola da vez. É o único time grande brasileiro que mantém um presidente por uma década. Marcelo Teixeira, de uma tradicional família da Baixada Santista, apossou-se do time e de lá parece não querer sair mais. Está envelhecendo no poder. No Brasil, em longevidade à frente de instituição ligada ao futebol, ele só perde para Ricardo Teixeira, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Imprensa vendida

Ao participar domingo (22/11) de um programa de esporte na Santa Cecília TV, de propriedade do presidente do Santos, o diretor jurídico do clube, Mário Melo, acusou a imprensa paulistana de ter-se vendido à oposição santista. O Santos, registre-se, vive período de disputa eleitoral. No dia 5 de dezembro, os associados vão escolher o presidente para os próximos dois anos. Teixeira vai concorrer ao seu sexto mandato consecutivo.

Pela primeira vez, nesses dez anos, a oposição vai para a disputa em condições de defenestrar o longevo presidente, cujo currículo não inclui nada de importante. A não ser pelo fato de ter sido presidente do Santos no período em que o time de Pelé & Cia. perdeu a chance de se consolidar financeiramente.

O Santos foi o clube brasileiro que mais arrecadou com a venda de jogadores entre 2004 e 2005. Que viu montanhas de dinheiro entrarem nos seus cofres. E a única coisa que se vê desse dinheiro é um centro de treinamento e um hotel, cujo patrimônio não chega a 20 milhões de reais. Só com as transações de Robinho, Elano, Diego e Alex para o exterior o Santos faturou 140 milhões de reais.

E, atualmente, a diretoria corre atrás da CBF, da Federação Paulista de Futebol e dos patrocinadores para antecipar parte das cotas de 2010, sob o risco de o clube não ter nem um centavo em caixa na passagem de ano. Nem dinheiro para o cafezinho e para o vale-transporte dos funcionários há. As dívidas bancárias se acumulam, na avalanche de juros sobre juros. Hoje, elas já rompem a barreira dos 100 milhões de reais.

Mídia contra o continuísmo

A mídia esportiva, mais uma vez, abraça novo projeto para um clube brasileiro. Nessas ocasiões, a imprensa toma partido. Posiciona-se sempre contra o lado ruim, a parte podre da política nos clubes. Exerce, com extrema competência, seu papel de fiscalizar os atos estranhos dos maus administradores do futebol brasileiro. E deve ter liberdade para fazê-lo sem que os dirigentes que tomaram de assalto o Santos Futebol Clube, por exemplo, se considerem vítimas.

Com matérias pontuais, artigos e editoriais consistentes, jornais, rádios, portais na internet e TVs de São Paulo, principalmente, expõem a face ruim do continuísmo e elogiam o projeto da chapa oposicionista, liderada pelo empresário Luís Alvaro Ribeiro de Oliveira e pelo secretário de Saúde do município de Santos, Odílio Rodrigues.

A oposição conseguiu reunir, em torno de si, executivos das maiores empresas brasileiras. Eles têm colocado seus rostos na imprensa, gravado depoimentos e participado de todas as reuniões. Os santistas passaram a conhecer, fisicamente, os futuros investidores do clube. Definitivamente, não são fantasmas. Tudo transparente, como deve ser qualquer projeto no futebol.

E isso tem incomodado o grupo de Marcelo Teixeira. Para contrapor ao belo trabalho da mídia esportiva, repita-se, que foi fundamental para que as administrações de Palmeiras, Corinthians e Vasco sofressem guinada de 180 graus, o atual presidente do Santos colocou a TV da família à sua inteira disposição. A emissora, que já tinha uma linha editorial pobre e sem compromisso público, chega ao fundo poço nesse momento de eleições no clube da Baixada.

Oposição barrada

No domingo (22/11), surgiu mais um desvio de conduta da TV do atual mandatário santista. É comum o veículo dos Teixeira ficar a serviço do cartola, encobrindo sua péssima administração. O candidato da oposição, Luís Alvaro Ribeiro de Oliveira, foi barrado no programa Esporte por Esporte. Literalmente.

A chapa oposicionista, a exemplo dos situacionistas, tinha participado desse mesmo programa na semana anterior, cada grupo em dias diferentes. O candidato da oposição fora convidado, ao vivo, para voltar no domingo seguinte, dia 22 de novembro.

Na segunda-feira (23), a chapa oposicionista ‘O Santos pode mais’ divulgou nota condenado o comportamento da TV do presidente santista. ‘A chapa `O Santos Pode Mais´, através de seu candidato a presidente, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, havia agendado com o Sr. Armando Gomes, âncora do programa Esporte por Esporte, da TV Santa Cecília, de Santos (SP), a participação no programa do último domingo, 22 de novembro. A tratativa foi revelada ao vivo pelo candidato durante o programa do último dia 13 de novembro, no qual Luis Alvaro participou de forma elegante e equilibrada, em cena que está gravada e disponível, inclusive, no portal Youtube’, diz trecho do comunicado (ver íntegra aqui).

O programa, como informa a nota, é apresentado por Armando Gomes, partidário e funcionário de Marcelo Teixeira. Jornalista caricato, ele se diz corajoso e se vangloria por falar somente a verdade. Desde que, claro, essa verdade não ofenda o seu patrão. Como se diz na Baixada, Gomes faz o serviço com mestria: ‘serviço executado sob medida’.

Sabe-se que rádios e TVs comerciais são concessões públicas. Até aí nenhuma novidade, pelo menos para cidadão bem intencionado. Essas emissoras têm obrigações públicas. Devem estar a serviço da comunidade. Não é por acaso que entidades ligadas à comunicação pedem transparência e a participação social nos processos de renovação dessas outorgas.

A TV Santa Cecília entrou de corpo e alma na campanha do seu controlador, ferindo os direitos de outros e atentando contra o papel das concessões públicas, cuja única missão é a de servir à coletividade, sem lados e tendências. Parece óbvio. Mas é bom sempre lembrar esse detalhe. Ainda mais quando ética é apenas uma palavra solta na boca de profissionais insensatos.

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Jornalista em Brasília, DF