Shimon Peres e Abbas no Brasil e, para felicidade geral de sabe-se lá quem, vem aí o impagável presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinedjahd, um dos ídolos de Hugo Chávez. Curiosamente, a assim dita esquerda gosta desse senhor, que nega o Holocausto, prega a destruição de Israel, afirma não existirem gays em seu país (é até possível, pois todos devem ser sido mortos), usa interessantes métodos para aplicar a discutível pena de morte, como o enforcamento por guindastes; também há o apedrejamento ou lapidação, que lá se faz enterrando em geral a mulher adúltera na terra só com o pescoço para fora, e as pedras afiadas são atiradas até a mesma falecer desse modo horrível – e por aí vai.
Não vou me estender muito quanto aos desmandos desse indivíduo que é notoriamente um fascista da melhor cepa, intolerante, pária internacional – e isso não se deve apenas por ser anti-sionista e anti-semita. A propósito, é expressão curiosa e errada, pois acaba significando preconceito contra judeus, mas vem de Sem, o filho mais velho de Noé, na Bíblia, donde descendeu o patriarca Abraão. A confusão nasceu com o fato do mesmo ter tido um filho com uma serva, Ismael, e depois com sua verdadeira mulher Sara, Isaac. Os muçulmanos seriam descendentes de Ismael e os judeus de Isaac – alguns até chamam os islâmicos de ismaelitas, mas há incorreções e discussões teológicas e históricas. Seja como for, árabes e judeus são semitas. Enfim, primos, melhor até – irmãos.
Dachau, hoje museu memorial
É imprescindível que haja paz no Oriente Médio, que Israel e palestinos se entendam finalmente, que tolerem e compreendam suas diferenças e se crie o Estado próprio dos últimos. E Israel nada tem contra árabes, iranianos, muçulmanos – o próprio Shimon Peres afirmou isso por aqui. Quer a paz, sobreviver, se defender. Mais uma razão para a impropriedade desse tipo de raciocínio e prenúncio de ação. Um exemplo a ser citado é o de que apesar de o Holocausto ter sido tão marcante para o povo judeu e israelense – alguns mais extremados se recusavam até a entrar em um fusca, da Volks, por ser alemão; conheci gente assim – como Estados soberanos e membros da ONU, Israel e Alemanha passaram por cima do acontecido e desde logo mantiveram ótimas relações diplomáticas, econômicas, de cooperação científica e assim por diante.
O Holocausto não existiu? Opiniões pessoais muitos desconsideram ou desconfiam, mas também lembro de muitos judeus que vieram para o Brasil, tendo saído com vida dos campos de concentração. Embora muitos tenham escrito livros relatando suas experiências, a maioria parecia esquisita, falava pouco, desconfiava de tudo e não raramente certos indivíduos recusavam-se a falar dos campos, tais os horrores que presenciaram. E também escreveram obras-primas a respeito, como Elie Wiesel e Primo Levi. Levi era químico, judeu italiano e foi parar nos campos de concentração. Foi liberado, mas o pós-guerra foi muito difícil. Escreveu muita coisa boa, como A Trégua, e acabou suicidando-se anos depois. Quem conheceu gente assim ou leu suas obras, viu fotos ou mesmo visitou museus, pode em sã consciência dizer que o Holocausto não existiu?
Uma das experiências mais desagradáveis que tive, embora brasileiro e temporalmente distante da Segunda Guerra, claro, foi uma visita ao campo de concentração de Dachau, perto de Munique, hoje um museu memorial. Será que esses extremistas islâmicos já foram lá?
Quem protegeu Mengele?
Mahmoud Ahmadinedjahd foi há uns meses à sede da ONU, em Nova York. Foi convidado a discursar na Universidade de Columbia. Falou tantos absurdos que não foi apenas vaiado – o reitor da conceituada instituição pediu a palavra, arrependeu-se do convite e criticou duramente o iraniano, que não se abalou.
Quando Manoel Zelaya se abrigou na embaixada do Brasil em Honduras, especialmente nos primeiros dias, havia o medo real de que os militares pudessem invadir a representação e prender os ocupantes. Houve intensa manifestação da comunidade internacional e de nosso país, claro – um princípio básico da relação entre os povos é considerar solo estrangeiro uma embaixada e nem Hitler, na Segunda Guerra, invadiu alguma delas.
Mas na Revolução Islâmica do Irã, em 1979, a embaixada americana foi ocupada e seus ocupantes tornados reféns, em uma famosa crise. Entre os ditos estudantes da Universidade de Teerã que lideraram essa violência estava o jovem Ahmadinedjahd, como vários fotos já mostraram. Algum adendo a isso?
Voltando ao centro de nosso assunto, a imprensa pouco tem publicado a respeito. Será que falar pouco no homem é mostra de desprezo pelo mesmo ou maneira de não aumentar a saia justa do governo federal? Claro, o Brasil deve falar com todos, como declarou o ministro Nelson Jobim, mas falta a mínima lógica diplomática e econômica para esse tipo de relacionamento e o Itamaraty, lendo-se ministro Celso Amorim e o assessor Marco Aurélio Garcia, precisa aperfeiçoar muito essa estranha situação.
Em local algum li que praticamente no mesmo período que o líder iraniano estiver no Brasil comemora-se, em 21 de novembro, o Dia Mundial da Ética Médica, decorrência de ter sido a data de instalação do Tribunal Médico de Nuremberg, que julgou os médicos nazistas. Mas não o mais famoso deles, Mengele, que conseguiu fugir para a Argentina, parece que passou um tempo no Paraguai e morreu no Brasil, em Bertioga, com o nome falso de Gregor! Até hoje não se sabe quem o protegeu e financiou em nossa pátria.
Críticas ao PT
O Tribunal Militar Internacional que inaugurou a era dos direitos humanos e caracterização de crimes contra a humanidade, bastante conhecido, julgou pessoas do quilate de Goering, Hess, Doenitz, Shirach, Ribbentrop, Jodl, Kaltenbrunner, dentro outros grandes criminosos. Hitler, Goebbels e Himmler suicidaram-se.
Menos conhecido é o tribunal equivalente para juízes, que acabou gerando um excepcional filme ficcional em glorioso branco e preto, Julgamento em Nuremberg, produzido e dirigido por Stanley Kramer, com elenco formado por Spencer Tracy, Burt Lancaster, Marlene Dietrich, Maximillian Schell, Judy Garland e Montgomery Clift, dentre outros. Filme denso e sem concessões, um tanto longo, é altamente didático.
E também houve o julgamento médico, iniciado na data citada, que parece que comemoraremos aqui com Ahmadinedjahd. A transcrição desse tribunal foi feita pela Harvard Law School e pode ser acessada aqui. Vale a pena, assim como saber mais sobre os julgamentos de Nuremberg, marcos de nossa evolução como seres humanos, com irrefutáveis provas sobre o Holocausto que o presidente do Irã nega – sugiro ler aqui.
O conceituado Centro Simon Wiesenthal de direitos humanos, referência mundial na área do anti-semitismo, já criticou o PT por suas posições – ver aqui. Eu mesmo já escrevi neste Observatório sobre o PT e seu presidente Ricardo Berzoini na Síria (ver aqui).
‘Falar com todos’ tem lógica
Para quem ainda tem alguma dúvida sobre a existência do Holocausto nazista, há bons textos: na Wikipédia. Há ainda interessantes palestras disponíveis em áudio MP3 e vídeo WMV ministradas pelo dr. Walter Ziffer, o último sobrevivente do campo de Auschwitz, já falecido, aqui. Um interesse adicional é que Ziffer converteu-se do judaísmo ao cristianismo, e ver e ouvir suas palestras corresponde a lições muito importantes para a discussão desses assuntos tão polêmicos.
Quando me referi às esquerdas, não estou querendo polemizar, de modo algum. É que o PT está no governo e Chávez, na Venezuela, aprontando algumas – a visita de Shimon Peres ao Brasil, seu discurso no Congresso e o encontro com o presidente Lula também são peças muito importantes; ele se declarou oriundo do socialismo, como nosso líder. E, afinal, se o nazismo não tivesse feito o que fez, seria inconcebível a aliança de Roosevelt, Churchill e Stalin, inclusive para a criação do tribunal de crimes de guerra.
Nunca é demais lembrar que o indiciamento desses criminosos, inédito na história mundial, baseou-se nas seguintes premissas, que hoje parecem óbvias: conspiração para o cometimento de crimes durante a guerra, ‘guerra agressiva’ ou crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A responsabilidade do Brasil é grande. Viajando ao exterior, conversando com amigos de várias áreas nos EUA, Canadá, Europa e Oriente Médio, a imagem de nosso país realmente é espantosa. Considera-se que é já uma potência, com povo alegre, uniformidade inimaginável de idioma, sem conflitos étnicos e religiosos, economia que serve de exemplo ao mundo e, importante, Lula é efetivamente muito popular. Ele é o ‘cara’ de Obama, mas efetivamente todos querem estar ao seu lado, em fotos ou escrevendo artigos, sejam eles Sarkozy, Gordon Brown, a rainha Elizabeth, Hugo Chávez e demais líderes da América Latina, para dizer o mínimo. Decorre daí um ônus e uma responsabilidade muito importantes – o discurso de ‘falar com todos’ tem certa lógica cosmopolita, de candidato a grande ator mundial, mas todos falavam com Hitler, por exemplo? Desde a abertura de arquivos até há pouco secretos em vários países, pode-se saber que até dois anos antes do final da Segunda Guerra havia conversas secretas com Himmler, Goering e outros próceres da época. Mas, publicamente, imagino o que aconteceria com Churchill servindo um charuto a Goering, Roosevelt recebendo Eichman no Salão Oval ou coisa que o valha. Parece exagero, mas não é.
Que o jornalismo não decepcione
Negar fatos históricos, propor a eliminação de um país membro da ONU, ter apetite nuclear muito mal disfarçado, perseguir minorias, judeus e evangélicos, homossexuais, mulheres… Esse é nosso exemplo? Lembremos dos julgamentos de Nuremberg, assistam ao filme sugerido ou até a muito boa série da televisão americana disponível em DVD por aqui, Band of Brothers, formem seus conceitos. E protestem, todos, de qualquer partido, religião ou ideologia. E que a imprensa cumpra com seu nobre e inarredável papel na condenação desse protótipo de Hitler persa.
O governo brasileiro poderia desfazer o convite. Caso isso não ocorra, o presidente Lula deve criticar acidamente o presidente do Irã, pois bons modos não são factíveis nessa situação. Lula deve usar seu atual prestígio internacional para também pressionar o Irã em relação a todos os fatos citados, como fazem os EUA e a União Européia. Não queremos ser membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Esse tipo de ação não vai ajudar muito. Obama e os EUA até podem tentar dialogar diretamente com os iranianos, mas sua situação político-militar evidentemente é outra.
Esse é um comportamento ético. Obrigatório para cidadãos de bem e inescapável para ser abordado com profundidade pela imprensa. Que o jornalismo não nos decepcione. Para alguns de nós, é questão também de ética médica.
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Médico, mestre em Neurologia pela Unifesp, ex-conselheiro do Cremesp, São Paulo, SP