É fácil imaginar os largos sorrisos de satisfação dos diretores da General Motors quando viram seu produto ocupar o alto da primeira página do Estado de S.Paulo de sábado (14/8). E promovido pelo mais importante garoto propaganda que poderiam haver, o presidente da República. Isso para não falar do ar de superioridade que deve ter tomado conta dos assessores de imprensa da GM.
Mas esses estavam fazendo apenas o seu trabalho, divulgando um carro com três alternativas de energia.
Os assessores de imprensa (no caso, os funcionários do forte departamento de imprensa da empresa) têm um trabalho nobre, mas seu compromisso é com o produto e não com jornalismo. O presidente da República talvez estivesse mal preparado pelos seus assessores: é possível que não tenham lembrado a ele que seus colegas da empresa fariam o possível para otimizar qualquer pronunciamento. Ou talvez tenha sido tudo preparado mesmo, combinado antes. Afinal, o produto dos coleguinhas que trabalham na Presidência da República é o próprio presidente. De qualquer forma, enquanto não existir o tal conselho de jornalismo, qualquer cidadão ainda pode expressar sua opinião – e aquela é a opinião do presidente. Uma opinião até justificada pelo ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O que espanta é o aproveitamento dado ao material.
Cobrança bem-vinda
Esquecendo o fato de que a frase ‘comprem esse carro’ estava primeira página, qualquer pronunciamento de um presidente é sempre notícia. E a busca de alternativas de energia é mais notícia ainda.
Mas parece que foi perdida aí uma grande oportunidade de discutir a situação atual, os rumos e os interesses envolvidos nas pesquisas sobre energia.
Afinal por que essas pesquisas estão atrasadas? O público leitor certamente gostaria de saber se é verdade o boato de que essas pesquisas, em todo o mundo, sempre foram inibidas ou desestimuladas por causa de interesses das companhias de petróleo e da indústria automobilística. Se for verdade que há uma ação desses interesses, como agiram ou como agem ainda hoje?
Parece que os carros do futuro serão mesmo movidos a hidrogênio ou eletricidade. Ou em uma combinação desses recursos, sem esquecer a energia solar, que pode, muito bem, complementar esses métodos. Os interessados no assunto certamente gostariam de ler nos jornais e revistas em que pé está o desenvolvimento de baterias com grande autonomia. E se tem havido, internacionalmente, o devido apoio de instituições e governos para esse trabalho.
No plano nacional, nada mais natural que a mídia como um todo participe dos esforços de desenvolvimento, exportações e tudo o mais que estiver na moda no momento. Mas também poderia cobrar do presidente, que afinal foi eleito pelas bases populares. Investimentos em um eficiente sistema de transporte coletivo, tanto urbano quanto interurbano, não trariam para o país uma economia muito maior em energia?
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Jornalista