Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O primor do educacionalmente correto

A revista Época que foi às bancas em 23 de abril (nº 466) elegeu como matéria principal o tema da hora: ‘Educação: o que nossas crianças devem aprender na escola para enfrentar os desafios do mundo novo’.

São nove páginas, com a assinatura de Ana Aranha. O título – ‘O que as escolas precisam aprender’ – alerta para o teor da reportagem. Há uma alusão, talvez involuntária, ao livro organizado por Peter Senge, Escolas que aprendem. Mas o que precisariam aprender as escolas? Que habilidades precisariam despertar nos alunos?

As habilidades já estão definidas. A nova cartilha menciona, em primeiro lugar, o ‘pensamento crítico’. Críticos seriam os alunos que sabem filtrar informações. Isso, perdão, é muito pouco. Navegar na internet sem cair nas armadilhas da imprecisão ou da falsidade é o mínimo a se esperar do bom senso. Pensamento crítico realmente consiste, por exemplo, em saber discernir os objetivos e estratégias da manipulação a que somos submetidos minuto a minuto, inclusive ao lermos a revista Época.

‘Conectar idéias’ seria a segunda habilidade. Estamos no terreno da transdisciplinaridade. No entanto, a compreensão do mundo sempre dependeu dessa conexão, da queda dos muros da especialização exagerada. Em tese, todos os professores concordam com este caminho. Na prática, a desarticulação entre os docentes e entre estes e a coordenação pedagógica (quando esta existe…) perpetua o isolamento das disciplinas.

‘Lidar com estrangeiros’

A terceira habilidade, ‘saber aprender sozinho’. Ora, não estamos falando do velho, e por vezes tão execrado, autodidatismo?

‘Conviver com pessoas diferentes’ seria a quarta habilidade. Francamente, este gravíssimo problema ‘pedagógico’ pertence às escolas elitistas, aos grupos que se consideram… diferenciados! Quem pega ônibus e metrô, quem se mistura naturalmente com o povão, nasceu PhD em convivência.

Quinta habilidade: ‘estabelecer metas e fazer escolhas’. Antigamente, isso tinha outro nome: liberdade responsável. A impressão, porém, é que a chamada escola do futuro (em geral, particular) é aquela que forma pequenos empreendedores, com suas agendinhas eletrônicas e celulares último tipo, gente apta a se sair bem nas entrevistas de grandes empresas, gente expert em estabelecer metas para os outros, e escolher pelos outros.

A sexta e última habilidade, ‘ter visão globalizada’. Ter essa visão (quem ainda se lembra da ultrapassada palavra ‘Weltanschauung‘?) reduz-se a estar preparado para estudar e trabalhar no exterior, e ‘lidar com estrangeiros’. Eis o primor do educacionalmente correto. A isso estão chamando ‘educação’.

******

Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br