Com meus próprios olhos eu nunca tinha visto um encalhe tão grande de jornais quanto na segunda-feira (26/6). Dezenas de exemplares de domingo se acumulavam em frente à banca do Alvino, na Praça da República, em Belém (PA), uma das que registra maior movimento na cidade. Se aquela era a sobra, a venda não devia ter chegado a 20% da remessa. A maior quantidade remanescente era de O Liberal, mas havia também muitos exemplares do Diário do Pará e do Amazônia Jornal.
O fenômeno, porém, não é só dos grandes jornais diários. Este minúsculo periódico, o Jornal Pessoal, também o enfrenta. E não é só uma característica de Belém ou do Brasil: tem dimensão mundial. Hoje se lê muito menos jornal do que muitos anos atrás. Outro dia coloquei a vista sobre um registro da tiragem do New York Times em 1937, já sob o comando de A. H. Sulzberger: 750 mil exemplares diários. Setenta anos depois, o mais poderoso jornal do mundo tira menos de 900 mil exemplares. A Folha de S.Paulo, o jornal de maior circulação do Brasil, coloca nas ruas menos da metade do que imprimia uma década e meia atrás.
Até certa medida, o fato é natural e inevitável. Há muitas outras mídias, algumas de apelo instantâneo, como a internet. O público cativo de jornal impresso foi retalhado. Um dos grandes desafios é atrair para ele novos clientes, que se desacostumam cada vez mais de leituras mais complexas do que os espasmos lingüísticos na web. A imprensa escrita terá que se acostumar a um público mais restrito, mais seleto e mais exigente. Para mantê-lo, porém, terá que lhe oferecer algo que ele não encontrará em veículos mais apressados e superficiais: a explicação, o sentido dos fatos. Produto que só profissionais mais qualificados podem criar.
Desculpa esfarrapada
Quem vai às bancas (e esse é um contingente que encolhe cada vez mais) ou recebe em casa (e no escritório) seu exemplar não quer apenas boa aparência. Nesse quesito, os diários paraenses não têm muito a destoar do padrão internacional, com destaque para O Liberal, que pode ser exibido em qualquer capital. Mas exibição é uma coisa: demonstração é outra. Uma vez atraído pelo jornal de boa aparência, o que é que o leitor encontra nele? Pouca coisa de novo, de consistente, de diferenciado.
Era de se esperar que o Diário do Pará, posto em segundo plano pelo recente investimento industrial do concorrente, desse o troco pela via da qualidade de conteúdo. Mas isso não aconteceu. Houve até o contrário: as matérias do jornal são burocráticas, oriundas de press-releases ou de coberturas previamente agendadas, com data certa para acontecer e bitola pré-moldada. Apenas se salva o material de agência, sobretudo as colunas assinadas. Em matéria de conteúdo, o Diário continua atrás de O Liberal. O que resulta em não aproveitar uma onda que lhe seria inteiramente favorável, por força das contradições e erros do concorrente, se se dispusesse a investir mais em pessoal e a profissionalizar sua direção.
O Diário está diante de um cavalo selado que apareceu à frente de A Província do Pará quando a Folha do Norte, líder inconteste do mercado, entrou, na década de 1960, em uma crise que a conduziria à morte, na década seguinte. Mas, ao invés de se expandir e ousar, o jornal dos Diários Associados se encolheu. O Diário tenta não cair nesse erro, mas lhe falta autonomia e competência para seguir o caminho correto.
Essas limitações se escancararam quando o jornal anunciou que começaria a publicar pesquisas eleitorais encomendadas ao Instituto Vox Populi, de Minas Gerais, e não cumpriu a promessa – nem se explicou junto ao distinto público. Ao invés de agir como órgão da imprensa, se comportou como partido político. Certamente os resultados da apuração desfavoreciam o dono da empresa, deputado Jader Barbalho. Ou pelos números em si ou por algum erro na formulação da pesquisa.
A atitude errada do jornal contribuiu para que o povo paraense continue a ser o único do Brasil ao qual não foram oferecidas pesquisas pré-eleitorais. Parece até que o estado regrediu décadas, a uma época em que não havia essa ferramenta de informação. O contraste é ainda mais brutal porque muitas sondagens são feitas para consumo interno, para orientar os contendores e, obviamente, manipular o eleitor. A pesquisa Vox Populi do Diário era a única registrada no Tribunal Regional Eleitoral. Logo, estava sendo aplicada para ser divulgada. A divulgação, nas páginas do jornal, ocorreria dois domingos atrás.
De qualquer maneira, ao Diário ainda restaria a esfarrapada desculpa de ser um jornal de político, representando informalmente o PMDB (e essa é, justamente, a matriz de seus equívocos). Mas e quanto a O Liberal, que seria uma empresa realmente profissional, embora familiar?
Queixas ao bispo
Nenhum profissional deve guardar dúvidas, mesmo que as mantenha em seu interior, de que o investimento (de 10 milhões de euros, segundo a última informação) numa sofisticada máquina de impressão não resultou de uma adequada análise sobre a sua oportunidade ou conveniência. A tiragem de jornais não evolui ou está em queda pelos quatro cantos do planeta, agravada em alguns lugares menos preparados para enfrentar essa situação, como o Pará.
Em Belém, que consome 90% dos jornais da família Maiorana, o mercado publicitário não tem condições de suportar o custo de capital aplicado no investimento e de custeio dessa rotativa. O papel é muito mais caro, assim como a tinta, onerando o preço cobrado do anunciante, que já é um dos maiores do Brasil.
Qual, então, a saída? Ela se exibia na edição do último domingo de O Liberal: oito anúncios – de 3/4 de página cada um – do governo do estado, com uma mensagem forçada para alcançar seu objetivo: reforçar o caixa de uma empresa com problemas evidentes de liquidez. Em contrapartida, o que devia ser um jornal profissional se tornou um órgão extra-oficial de partido, tão ou mais comprometido com o PSDB quanto o Diário em relação ao PMDB?
Quanto ao leitor, que espera mais do que boa aparência, que vá atrás da peça de Nelson Rodrigues (aquela do Otto Lara Resende: ‘Bonitinha, mas ordinária’). Ou se queixe ao bispo, se o bispo estiver mais atento ao rebanho do que o seu antecessor. A julgar pela imprensa, houve uma ligeira – mas decisiva – mudança no legado de beleza do Pará: não é quem vem ao Pará que pára; a paralisia, por força de sua elite, com destaque para a elite formadora de opinião, é do próprio Pará.
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Editor do Jornal Pessoal, Belém (PA)