Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O rebento da imprensa

Lula, o filho do Brasil, filme da família Barreto que teve sua pré-estréia ontem [18/11] em Brasília, ia mesmo dar o que falar. Mas é uma grande faca de dois gumes para a produção, que não dá ponto sem nó. O problema é a esquizofrenia dos críticos e da imprensa.

Já se sabe que Luis Carlos Barreto é um grande espertalhão do cinema brasileiro. Além do talento como produtor, sabe fazer lobby como ninguém. Conseguiu junto ao Congresso, após a existência da Lei Rouanet (incentivo fiscal para que empresas patrocinassem cultura como um todo), a Lei do Audiovisual, que tem o mesmo objetivo, mas é específica para o cinema.

Quem é do meio especula que, quando um grande edital de cinema prorroga a data de inscrição é porque figurões como a família Barreto não conseguiram entregar seus projetos a tempo.

Pois é esse pessoal que teve a ideia de fazer um filme sobre Lula. Desde o começo estava claro o objetivo de fazer uma média com o governo e deram a sorte de ter um presidente com um roteiro de vida comum à maioria dos brasileiros. E que mantém seus níveis de popularidade altíssimos, muito disso fruto de sua identificação pessoal com o povo.

Esquizofrenia e insinuações

Após o incêndio das obras de Hélio Oiticica, que estavam guardadas num depósito do irmão do artista, o Globo foi entrevistar o ministro da Cultura, Juca Ferreira. Perguntaram se o Estado brasileiro não deveria ter mais iniciativas para preservar o patrimônio cultural.

O ministro tocou na ferida: ‘Mas vocês da imprensa não podem acender uma vela para Deus e outra para o diabo.’ Ele explicava que tinha pouca gente para dar conta do trabalho da Cultura, incluindo fiscalização. Mas se alguma despesa de pessoal é anunciada, Juca reclamava que a imprensa criticava o governo por aumentar os gastos públicos. Afinal, é para ter ou não ter a presença do Estado?

A mesma esquizofrenia acontece com o filme sobre Lula. Na primeira página de hoje, o jornal destaca que o filme foi feito apenas com recursos privados, com empresas fazendo doações obscuras, insinuando que querem obter vantagem junto ao governo. Tenho certeza que, se o filme tivesse utilizado lei de incentivo, iam dizer que os cofres públicos estariam pagando a campanha eleitoral de 2010.

A volta às origens

Ninguém é santo nessa história. Lula, o governo, as empresas, os produtores: todos saem ganhando com o filme e com a polêmica que o envolve e traz Ibope. Quem precisa dizer a que veio é a imprensa, buscando o bom jornalismo. Que não confunde, mas colabora com o esclarecimento do leitor.

Há algum tempo, quando um carro foi submerso em Copacabana por uma tubulação que estourou, a legenda do Globo dizia: ‘Carro submerso em tubulação administrada pela Cedae, a única estatal fluminense que ainda não foi privatizada’. A mensagem é implícita e ao mesmo tempo claríssma: privatização é sinônimo de competência; Estado não é.

As operadoras de telefonia estão aí para mostrar que não é bem assim. Do mesmo modo, nem sempre o Estado vai ser o melhor ator para determinado tipo de atividade. Mas essa dinâmica precisa ser assimilada pela imprensa, de uma vez por todas. Os leitores estão de saco cheio de pautas que já saem das redações com uma tese pré-concebida, buscando enquadrar os fatos na versão.

Com a internet, esse tipo de expediente caduca a passos largos, destruindo a credibilidade jornalística. O que se pode pensar do patrocínio cultural, por exemplo? É melhor ser totalmente privado ou possuir Lei de Incentivo? Ou ter dinheiro direto do Estado? Não se amadurece essa discussão.

O filme sobre Lula nunca deveria ser feito, a fim de evitar qualquer tipo de questionamento? Ou deveria ser lançado somente após as eleições – sob o risco de não conseguirem patrocínios suficientes, já que o retorno de público poderia não ser o mesmo de quando Lula ainda estivesse sob os holofotes presidenciais?

Ou a imprensa volta a suas origens, sem brigar com os fatos e buscando o esclarecimento da população, ou perderá cada vez mais o seu valor.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ