Se uma coisa é clara na imprensa brasileira é que as tendências políticas norteiam as linhas editoriais. Esse fato provavelmente é recorrente em todas as partes do mundo. Pensemos em âmbito brasileiro. Ao ler a revista Época, da Editora Globo, obviamente sabia que iria encontrar críticas ao governo e à candidatura petista ao Palácio do Planalto. Contudo, diferente da tucana Veja, a capa de Época não trazia uma referência negativa ao atual governo, e sim à imagem de um personagem vitorioso, Eike Batista, chamando a minha atenção para a reportagem central. Porém, ao ver a revista por inteiro, notei que o foco central do semanário estava nas declarações infelizes do presidente da República. E nisso, seus jornalistas foram extremamente competentes.
Na matéria ‘Esqueçam o que eu fiz’, de Leandro Loyola, três páginas exploram o tema e mostram como o presidente da República, ‘homem do ano’ escolhido pelos prestigiosos jornais europeus Le Monde e El País, trouxe para si a fúria das organizações de direitos humanos do mundo todo. Lula foi mesmo muito infeliz, esqueceu o seu histórico, sua prisão por motivos políticos ao tratar a morte de um ativista cubano por greve de fome como pretexto para liberar pessoas. Justo ele, que resolveu a questão de greve de fome de um bispo nordestino que lutava contra a transposição do Rio São Francisco, de forma sensata com a ajuda do hoje governador da Bahia, Jacques Wagner. No final da matéria, Loyola ainda nos mostra um quadro com as contradições de Lula junto a personagens como Ahmadinejad, Chávez e Zelaya.
O único ponto positivo
Guilherme Fiuza, na página seguinte, nos presenteia com ‘O chicote `democrático´ de Lula’. Lula passa a ser o inimigo da imprensa, o homem que irá amordaçar a mídia brasileira com o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Pausa para reflexão: o presidente, que é alvo atualmente dar organizações de direitos humanos, aprova um plano de direitos humanos e continua a ser rechaçado, é isso? Para concluir, Fiúza, que começou a falar da frase infeliz de apoio aos Castros em Cuba e do PNDH-3, afirma que Dilma não é Lula, Dilma é José Dirceu e que ela pode ser ainda o Celso Pitta de Lula.
Páginas à frente, Agnelo Queiroz , ex-ministro do atual governo, aparece como um invasor de terras públicas e ainda assim se apresentando como alternativa ética para Brasília, em página dupla. Virando Agnelo, surge Alberto Bombing expondo ‘Os esqueletos do PT’, onde Dilma aparece tendo de defender petistas envolvidos em escândalos, alguns bem antigos.
Algumas propagandas depois, uma página incensa José Alencar, que aparece como o único ponto positivo do governo atual na revista e é elogiado por Paulo Rabello de Castro.
Época de reflexão
Os hábeis profissionais de Época só não conseguiram ligar Lula à jihad islâmica contra os infiéis europeus. Mas juro que fiquei esperando a foto do presidente com um turbante de Alá e sorrindo ao lado de um homem-bomba. Porém, apesar do descanso de algumas páginas, o presidente volta ao bombardeio no artigo final, assinado por Ruth de Aquino, onde a declaração infeliz de Lula é comparada com a do goleiro Bruno, do Flamengo. Mas ainda assim, Bruno foi absolvido pela autora por causa um pedido de desculpas e Lula ainda estaria devendo um pedido formal.
É notório que as eleições de outubro irão povoar as páginas das grandes revistas locais. É óbvio, também, que as linhas editoriais tenderão a pesar para o PT ou o PSDB. Mas a guerrilha está começando muito cedo e de forma torpe.
Cabe à imprensa lutar pelo direito à informação e noticiar fatos relevantes, como os erros graves dos nossos dirigentes. Mas buscar de forma tão acintosa acabar com a imagem de um presidente que goza do apoio de mais de 80% da população é um jogo sujo. E o pior, atribuir a negativa personalidade de pessoas como Celso Pitta a Dilma Rousseff e Ahmadinejad ao presidente Lula chega a ser um exagero.
Ao final da leitura da revista, me senti em outro país. Governado por um ser insensível e quase fundamentalista, como o presidente do Irã. Lula errou no depoimento, sim. Mas reduzir oito anos de mandato e um prestígio internacional a uma declaração infeliz é algo ignominioso.
É época de reflexão, e não de imposição de idéias de uma época ressentida, de uma época de ‘denuncismos’ e, principalmente, de uma época que não queremos de volta, onde a liberdade de escolha deu lugar à opressão de notícias forjadas e debates editados.
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Analista de mercado, Salvador, BA