Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O risco das decisões na base da emoção

Toda vez que acontece uma grande tragédia no Brasil, a sociedade, a reboque da mídia, se emociona e discute mudanças na legislação com base no forte apelo emocional.


** Quando o garoto de 16 anos mata a filha de um empresário, discute-se a necessidade de reduzir a maioridade penal;


** Quando o casal arremessa a filha pela janela, discute-se a necessidade de implantar a pena de morte;


** Quando o louco de Realengo põe o Brasil no mapa dos serial killers, volta a discussão sobre o desarmamento.


E por aí vai. Além de se discutir o fato no calor da emoção, o que gera parcialidade, as discussões não são corretamente apresentadas à sociedade. Um grande exemplo disso ocorreu no segundo turno da eleição presidencial de 2010. A questão que tomou conta da campanha foi se os candidatos eram ‘a favor ou contra o aborto’. Ou seja, qual dos dois era o assassino das criancinhas.


Acredito que ninguém em sã consciência seja a favor do aborto como ferramenta de planejamento familiar. Nenhuma mulher pretende engravidar 20 vezes ao longo da vida, fazer 18 abortos e ficar com dois filhos. Certamente nenhum dos dois candidatos faria essa proposta. A real discussão deveria ter sido outra, com o contexto de criminalização e saúde pública, apresentando claramente os prós e contras, até porque o Brasil é o país do me-engana-que-eu-gosto. Aborto é crime, mas todo mundo sabe onde faz e conhece alguém próximo que já fez.


A indignação da mídia


A questão do desarmamento é semelhante. Ninguém em sã consciência é a favor que cada um ande com uma pistola na cintura. A cada briga de trânsito teríamos um morto. Mas a questão que deve ser seriamente discutida com a sociedade é a do acesso à venda de armas a qualquer pessoa. Em 2005 houve um referendo, mas foi pífio. A começar pela pergunta: ‘Você é a favor ou contra a proibição da venda de armas?’ Parece mais pegadinha de concurso.


Assinale a alternativa incorreta:


a) 1 + 1 é igual a 2


b) 1 + 1 não é menor que 3


c) 1 + 1 não é igual a 3


A resposta é a alternativa b). Se uma simples conta 1 + 1 fica complicada perguntando dessa maneira, imagine decidir sobre a venda de armas. Acredito que muita gente votou enganado. Seria uma boa fazer novo referendo, mas com os argumentos de cada parte expostos corretamente e com a pergunta objetiva.


Outra questão que deve ser levada em consideração é o oportunismo da mídia em cima de tragédias pontuais, enquanto vivemos diariamente tragédias. Vimos a mídia indignada pelas crianças mortas na escola de Realengo, mas não vemos a mídia indignada pelas crianças que morrem de fome diariamente. Vimos a mídia indignada pelos 171 mortos no acidente da TAM em Congonhas, mas não vemos a mídia indignada pelas mortes nas rodovias (no último carnaval, foram 213, só em rodovias federais; a Semana Santa vem aí).


Lembro-me de um professor na faculdade de Engenharia que, nos alertando, dizia: ‘Cuidado, um mau profissional da medicina pode matar um por um e não chama atenção, um mau engenheiro mata centenas de pessoas de uma vez quando cai um prédio que calculou!’ Sábias palavras.

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Engenheiro civil, Rio de Janeiro, RJ