Assisto, estupefata e perplexa, ao quadro ‘Liga das Mulheres’. A produção do programa dominical exibido pelo Fantástico através da Rede Globo de Televisão cumpre fielmente seu slogan, o show da vida, anunciado com orgulho pelos apresentadores Zeca Camargo e Patrícia Poeta.
O programa de TV, que se transmutou em palco para a exibição do sensacional na incessante busca pela audiência, seleciona Lucilene Santos para estrelar o quadro que oficializa a milhões de brasileiros o término do final de semana. Seu perfil equipara-se ao de uma típica mulher brasileira. Embora jovem, a estudante de enfermagem tem baixa auto-estima em função da insatisfação com o corpo, desencadeada, especialmente, pelos quilos a mais registrados pela balança.
Após a ‘criteriosa’ seleção realizada pela produção do programa, inicia-se a exibição, em rede nacional, do show da vida. O Fantástico dispõe-se a realizar o surreal desejo esboçado na imaginação daquela indefesa jovem manipulada pelo rígido padrão de beleza imposto ao sexo feminino pela indústria cultural – que insiste em associar felicidade à magreza.
Compulsão alimentar
Surpreendida com a notícia de sua seleção para estrelar o quadro, a personagem relata, sem censura, seu drama pessoal à ‘Liga das Mulheres’, composta por mulheres que, acomodadas em um confortável sofá, ouvem sua história, que se assemelha a um dramalhão mexicano criado por influência daquela perversa indústria que, a partir de suas regras, a distancia do corpo ideal estabelecido como magro, longilíneo e com curvas e músculos definidos.
Com falsos sorrisos estampados nos lábios, a ‘Liga das Mulheres’ verbaliza conselhos inócuos à personagem do show da vida que, se adotados na vida real, certamente não iriam ocasionar mudanças.
Logo, o quadro que explora o sensacional culmina com mudanças superficiais. Depois de algumas horas em um requintado salão de beleza, eis que a típica brasileira se transforma, pelo menos por um único dia, em uma celebridade global. Afinal, Lucilene Santos foi agraciada por uma produção semelhante às adotadas periodicamente por aquelas que admira: unhas dos pés e das mãos arrumadas; cabelos devidamente nutridos, acomodados e penteados; sessões de drenagens linfáticas para eliminar a temida celulite e a retenção de líquido; limpeza de pele e maquiagem.
Para finalizar o espetáculo televisionado para todo o país, Lucilene Santos desfila com um figurino especial para diminuir as medidas daquela jovem que se encontra acima do peso devido à compulsão alimentar desencadeada pela ansiedade de se tornar semelhante às estrelas globais.
O drama humano em detalhes
Após a aparente transformação, que comove a personagem e milhares de telespectadoras que vivem semelhante drama pessoal, Lucilene Santos, diante da ‘Liga das Mulheres’, afirma, convictamente, que se sente renovada para iniciar uma incansável batalha objetivando atingir seu peso ideal. O marido, que anteriormente a relegava a segundo plano, completa o depoimento da esposa declarando sentir ciúmes da companheira após sua instantânea transformação.
Tais declarações, infelizmente, confirmam a notória regra estabelecida pela sádica indústria cultural: somente as mulheres magras podem ser desejadas, cobiçadas e invejadas, regra que proporciona o fomento dos variados segmentos que compõem a dita indústria cultural, além, claro, de elevar consideravelmente a audiência dos programas de TV que se dispõem a transmitir, com riqueza de detalhes, o drama humano criado para aumentar as cifras de suas contas bancárias.
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Jornalista, blogueira, assessora de comunicação freelance e colunista do jornal Aqui, Pedro Leopoldo, MG