Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O visual feminino no poder

Uma física de 51 anos é a nova primeira-ministra da Alemanha. Sua vitória suada foi registrada pela imprensa do mundo todo, com poucos detalhes de sua biografia: formada em Física, nasceu na Alemanha comunista, é filha de um pastor protestante e só começou a carreira política depois da queda do Muro de Berlim. Está no segundo casamento – o primeiro com um físico, o segundo com um professor de Química, e não tem filhos. Uma mulher que dificilmente conseguiria espaço numa revista feminina.

Que interesse teriam as leitoras de uma revista feminina em uma mulher que não tem experiência com filhos, ficou mais tempo na universidade do que no lar e não pode ser acusada de ter esmero com as roupas que escolhe, a maquilagem e o cabelo?

Angela Merkel já está sendo comparada, na imprensa internacional, à ex-primeira-ministra inglesa Margaret Tatcher. O que elas têm em comum?

Não se parecem em nada com as atraentes e sexy figuras escolhidas pela mídia para ilustrar a capa das revistas especializadas que reservam 90% de seu espaço para falar de produtos de beleza, objetos de decoração, receitas ou matérias de comportamento que ensinam a ‘segurar seu homem’ ou educar os filhos.

Formas exuberantes

Tatcher e Merkel não podem ser acusadas de fazer a alegria de costureiros ou da indústria da beleza. Usam um batom discreto, cabelos curtos que passam a impressão de não darem trabalho ao cabeleireiro e, na hora de escolher a roupa, preferem terninhos de cor escura, enfeitados, no máximo, com um discreto colar. Nos momentos mais solenes vão de tailleur e o clássico colar de pérolas. Um visual que parece ter sido eleito o uniforme das mulheres determinadas que agem politicamente e acabam vencendo os homens no seu campo de jogo: o jogo do poder.

Terninho ou tailleur de cores sóbrias, esse é o uniforme de Angela Merkel, foi a marca registrada de Margaret Tatcher e aqui, entre nós, é a roupa predileta das deputadas Denise Frossard e Zulaiê Cobra. A mesma versão, um pouco mais colorida, é adotada por Condolleeza Rice e Hillary Clinton (as possíveis candidatas a presidente dos Estados Unidos em 2006). Mulheres que, com seu visual, parecem estar dizendo que é impossível ser respeitada quando os atributos femininos são valorizados demais. Especialmente se o objetivo é vencer no mundo dos negócios e da política.

Tanto no mundo da política quanto na mídia parece haver uma nítida distinção entre sexos: homens se destacam por idéias ou realizações, mulher, para ser notícia, precisa ser uma Cicciolina, ex-prostituta de formas exuberantes que encantou a Itália e a mídia mundial com seus atributos. Ou então aceitar seu lugar de esposa, dando suporte ao grande líder, como a sra. Schoreder (ex-primeiro-ministro alemão), uma ‘exuberante’ loira, bem vestida, maquilada com esmero, sempre acompanhando o marido nas solenidades públicas, e que disse, da nova primeira-ministra:

‘A biografia de Merkel não personifica a experiência da maioria das mulheres da Alemanha, que se preocupam em conciliar família com emprego, vivem o dilema de como melhor educar os filhos e precisam se decidir se ficam em casa alguns anos após o parto’ (Estado de S. Paulo, 16/10).

Mais do que consumidoras

O mais incrível é que as mulheres, mesmo as mais politizadas, entram no jogo da mídia, na hora de criticar as que se destacam na política. Como foi o caso da maior líder feminista alemã ao cobrar atitudes da nova chanceler: ‘Cara Sra. Merkel, mostre-nos que também é uma mulher. Fique à vontade para usar terninhos e desempenhar o papel de chefe da festa. Mas, por favor, não se esqueça das nossas preocupações’.

Preocupações que, segundo o artigo de Dorrit Harazim (Estado de S. Paulo, 16/10) não são poucas.

‘Segundo levantamento do banco de dados Hoppenstedt, a ausência de mulheres no alto escalão empresarial da Amanha é espantosa: há apenas 9,2%, contra 18% na Inglaterra. Mulheres só puderam ingressar nas Forças Armadas em 1975 – apenas como médicas, sem treinamento militar. Apesar de ostentar uma cultura universtária quase milenar, na Alemanha de 2005 menos de 10% dos postos de professor titular estão em mãos femininas. O próprio Paul Kirchhof, professor da Universidade de Heidelberg e candidato a ministro das Finanças do novo governo, redigiu um memorando em 2002 defendendo a permanência da mulher no lar, junto dos filhos, cabendo aos pais o sustento financeiro da família’.

A conclusão é que se até nos países do Primeiro Mundo ainda se acredita que lugar de mulher é na cozinha, as mulheres na política têm mais é que usar terninho. E quanto mais sóbrio e masculino melhor. Isso, até que a mídia descubra que, apesar de bonitas e vaidosas, bem vestidas e maquiladas, as mulheres não são apenas grandes consumidoras.

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Jornalista