Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O american way of life e a Casa Grande

Às vezes, a gente chega a pensar que algumas pessoas estão delirando ao escreverem certas coisas; achamos que se trata de paranóicos, adeptos da teoria da conspiração permanente. Acontece que, há muitos anos, se propala pelos quatro cantos do mundo a ‘democracia dos EUA’, de tal forma que, em determinados momentos, acabamos por duvidar de notas como esta:


‘Nos Estados Unidos, mais de 100 mil opositores estão proibidos de viajar de avião’


Uma editora de ecologia de Vermont, Chelsea Green Publishing Company, publicou, em 5 de setembro de 2007, um panfleto da feminista Naomi Wolf que denuncia a repressão política existente nos Estados Unidos. Intitulado The End of America: A Letter of Warning to a Young Patriot (O fim da América: carta de alerta para um jovem patriota), o texto se apresenta sob o formato de um chamado à cidadania, ao estilo da tradição revolucionária estadunidense de Thomas Paine.


Naomi Wolf observa que o governo Bush impede a livre circulação de dissidentes dentro e fora dos Estados Unidos. Uma agência criada logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Transportation Security Administration (TSA), mantém fichados mais de 100 mil opositores à política de George W. Bush e os submete a abusivos controles de segurança, a ponto de os impedir ou proibir de utilizar vôos de companhias aéreas dentro e fora dos Estados Unidos. A existência desse fichário foi descoberta em março de 2004, quando os agentes da TSA impediram cinco vezes que o senador Edward Kennedy embarcasse num avião. Desde então, os dissidentes provenientes de qualquer meio (representantes locais eleitos, membros de diversas associações e organizações, catedráticos etc.) estão sendo vítimas dessa privação de liberdade individual.


Propaganda via Hollywood


Também li outra matéria tratando de viagens de norte-americanos a Cuba:




Washington, 28/07 (EFE) – ‘Um grupo de jovens ativistas norte-americanos cruzou neste sábado a fronteira entre Canadá e Estados Unidos, voltando de uma viagem a Cuba para desafiar a proibição de visitar a ilha feita pelo embargo de Washington contra o país caribenho. De acordo com o site do jornal The Buffalo News, cerca de 80 ativistas do grupo ‘Brigada Venceremos’ cruzou sem problemas a fronteira entre as cataratas do Niagara, no Canadá, e Buffalo, no estado de Nova York (EUA). Uma advogada que colabora com o grupo, Molly Doherty, afirmou que quando os ativistas reconhecem que estiveram em Cuba, são permitidos de entrar. Mas, depois, muitos recebem uma carta oficial informando que devem pagar uma multa de US$ 7.500 ou mais.’


Vamos imaginar que esses fatos estivessem ocorrendo na Venezuela de Hugo Chávez. Ou mesmo na Bolívia de Evo Morales. Quanto espaço você acha que a banda podre da mídia brasileira a serviço dos golpistas abriria para tratar do assunto? Isso mesmo, muitas páginas de jornal e revista, muito espaço virtual, algumas matérias de rádio e TV e milhares de papos de botequim. Se já tratam Chávez como ditador, imaginemos como seria tratado se proibisse venezuelanos de viajar a outros países ou dentro da própria Venezuela.


Já me perguntaram se sou a favor de que o governo Lula venha a se espelhar no ‘chavismo’. Acho a pergunta um exagero, mesmo porque ainda é muito cedo para se falar em ‘chavismo’, uma suposta doutrina política que surge como marca registrada de Hugo Chávez. A Revolução Bolivariana ainda dá seus primeiros passos; ainda existe muita coisa a ser lapidada. Apesar de que lapidar deve ser uma constante em qualquer revolução, do contrário não poderia ser chamada de revolução. Aqueles que formulam a tal pergunta geralmente afirmam que a Revolução Cubana é um fracasso. Isto, geralmente, é asseverado por pessoas que só conhecem o regime e sistema cubano através da propaganda disseminada por Washington via Hollywood e grande imprensa dos EUA, com os efeitos de reprodução mundo afora.


O sitiante turrão


Se a Revolução Cubana fosse um fracasso, os imperialistas nem se incomodariam com uma ilha como Cuba. Acho que até prefeririam que se mantivesse como exemplo um sistema fracassado; seria uma espécie de ‘vitrine do fracasso’. Podemos comparar com o caso de um coronel latifundiário que quer comprar o sitiozinho de um pobre camponês que resiste em vender seu pedacinho de terra para que ele, o coronel, o anexe à sua mega-propriedade. Entre os muitos que já venderam suas terras ao coronel, existem uns poucos que se deram bem e, para estes, o coronel diria: ‘Estão vendo aí? Vocês, que me venderam suas terrinhas, estão felizes, mas olhem lá, aquele infeliz está sofrendo, é teimoso.’ E continuaria comprando outras terras ao redor do seu latifúndio. O infeliz serviria de ‘mau exemplo’.


Porém, a verdade é que muitos daqueles que venderam suas terras ao latifundiário agora moram em favelas nos grandes centros urbanos. Deixaram de se submeter ao ‘império’ do coronel e hoje são vítimas dos gerentes das bocas de fumo e dos ‘capitães Nascimentos’.


Quanto ao pobre camponês resistente, este vive, a duras penas, melhor que os favelados que se desfizeram dos seus sítios, e o coronel, para exibi-lo como um pobre infeliz, compara sua casinha simples com a Casa Grande; compara o carro de boi ou carroça do sitiante com os seus carrões e, com isso, tenta convencer os que estão vacilando entre vender ou continuar vivendo daquilo que suas terras produzem, dizendo: ‘Olha lá como ele é infeliz.’


O coronel continua tentando se apossar do sitiozinho cujo dono resiste bravamente à venda de suas terras, de onde tira o seu sustento, cria seus filhos sob orientação digna de ser um verdadeiro exemplo. Para forçar o camponês a vender seu lote de terra, o coronel provoca vários embaraços ao sitiante teimoso, chegando mesmo a proibir o acesso às suas terras através de estradas que passem pelo grande latifúndio. Informa seus fornecedores de ração e adubo que, se venderem ao camponês ‘cabeçudo’, deixará de comprar o produto de suas empresas distribuidoras. Proíbe seus empregados de participar de festas no sitiozinho ao lado. Manda arrombar a cerca de sua fazenda e deixa o gado comer as plantações do sitiante ‘turrão’; enfim, faz qualquer coisa para que o ‘infeliz’ venda suas terras e desapareça e vá morar numa favela, como já fizeram tantos outros pequenos sitiantes.


Embaraços a Cuba


Muitos daqueles que venderam seus sítios se deslumbram com a Casa Grande, sonham em ter uma fazenda daquelas, viver daquela maneira faustosa; seus filhos até vibraram com a idéia de vender as terrinhas e ir morar numa cidade grande, pois já ouviram muita propaganda sobre as facilidades que encontrariam: escolas, hospitais, lazer, água encanada, luz, rádio, televisão, geladeira e até carro, milhares de carros; são tantos carros que, para eles, na cidade todo mundo deve ter um. (Se alguém acha que estou exagerando, saiba que esse tipo de argumento ainda é usado nesses casos.)


Há 50 anos, os EUA continuam tentando se apossar de Cuba, um ‘sitiozinho’ ao lado do seu ‘latifúndio’. A propaganda dos ianques se espalha mundo afora, alertando aqueles que já vivem usufruindo as benesses do capitalismo: ‘Estão vendo aí? Vocês que me venderam suas terrinhas estão felizes, mas, olhem lá, aquele infeliz está sofrendo, é teimoso.’


Os EUA já provocaram vários embaraços a Cuba, chegando mesmo a proibir o acesso às terras cubanas através das vias que passam pelo ‘grande latifúndio da América’. Até já informaram seus fornecedores de matéria-prima e produtos agrícolas que, se venderem ao povo teimoso, deixarão de comprar os produtos de suas empresas distribuidoras ou produtoras. Já proibiram seus próprios cidadãos de fazer turismo na ilhota. Já permitiram que o seu ‘gado’ ultrapassasse a fronteira e tentasse comer as plantações do ‘sitiante teimoso’; enfim, fazem qualquer coisa para que os ‘infelizes’ entreguem suas terras, querem ganhar pelo cansaço. Mas não descartam mais uma investida de peso e, se preciso for, soltam novamente seu ‘gado’ nas terras cubanas.


‘Vitrine do fracasso’


O coronel faz propaganda de seu estilo de vida, de como vive na Casa Grande, alimentando naqueles pobres ‘infelizes’ a esperança de que um dia virão a ter o que ele próprio possui. Faz muita gente acreditar que seus filhos estudarão nas grandes cidades e se tornarão doutores. Mas o coronel não mostra aos possíveis incautos a verdadeira vida que aqueles que venderam suas terrinhas estão passando.


Os EUA têm Hollywood, a fábrica de sonhos, a propaganda do american way of life. Fazem grande parte da turma do quintal acreditar que, entregando-se ao seu domínio, vendendo-se aos seus interesses, teriam chances de viver à sua maneira, na opulência, na fartura, no ‘paraíso’.


Repeteco: se a Revolução Cubana fosse um fracasso, os imperialistas nem se incomodariam com uma ilha como Cuba. Até acho que prefeririam que aquele país se mantivesse como exemplo de um sistema fracassado. Seria uma espécie de ‘vitrine do fracasso’. Imagem que vendem, há cinco décadas, ao ‘resto do mundo’, via Hollywood e os conglomerados jornalísticos norte-americanos, com direito a reprodução mundo afora.