Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O criminoso de guerra vira personagem cômico

O cineasta Oliver Stone está rodando um filme sobre a vida do presidente dos EUA, George W. Bush. W vai mostrar imagens de Bush, aos 26 anos, batendo o carro no gramado da casa de seus pais, em Washington, e, quando já presidente, roubando de brincadeira uma bala de menta da secretária de Estado Condoleezza Rice. ‘Ele é desajeitado, comete gafes e faz caretas. Não é um presidente qualquer. Então, vamos nos divertir com isso’, disse o diretor.

Durante décadas Al Capone foi uma dor de cabeça para muitos norte-americanos. Além de ser um gangster impiedoso, o mafioso gozava de boa reputação entre os pobres e cortejava constantemente a imprensa. Capone foi uma celebridade penumbrante e as autoridades que tentavam apanhá-lo acabavam sendo odiadas pelo seu séqüito de admiradores.

A vida de Al Capone foi transposta várias vezes para o cinema. O filme protagonizado por Robert de Niro e Kevin Costner se destaca pela clara oposição entre a personalidade recatada de Elliot Ness e a personalidade expansiva de Capone. O diretor Brian de Palma explorou de maneira brilhante as relações entre o mafioso e a imprensa.

Versão caricata

Como Al Capone, Bush II é um criminoso impiedoso. Iniciou uma guerra imotivada e ilegal no Iraque com base em documentos falsos e alegações mentirosas. A guerra de Bush II resultou em prejuízos econômicos incalculáveis para o Iraque, acarretou milhares de mortes desnecessárias, centenas de prisioneiros sem julgamento e dezenas de inocentes torturados em Abu Ghraib com autorização do secretário de Defesa que ele nomeou. Tecnicamente, se não fosse o presidente da nação militarmente mais poderosa do planeta, Bush poderia muito bem ser considerado o maior criminoso de guerra do século 21.

Mesmo assim, Oliver Stone pretende, por razões políticas e econômicas desconhecidas, seguir a trilha aberta por Brian de Palma. O diretor de Platoon e Nascido em 4 de julho pretende transformar o criminoso de guerra em personagem cinematográfico. Mas ao contrário de Brian de Palma, que não fez a glorificação do crime nem absolveu Al Capone de seus atos criminosos na tela grande, Oliver Stone pretende nos vender uma versão caricata e cômica do senhor Bush. É como se ele dissesse:

‘Olhem como o W. Bush é engraçadinho, inofensivo e infantil. Não pode ser um criminoso de guerra, certo?’

Errado!

Calígula era mais humilde

Oliver Stone está comprometendo sua carreira? Penso que não. Em razão do crescimento do nacionalismo doentio e do fanatismo religioso nos EUA, Stone se tornará o interlocutor da geração que levou Bush ao poder e que o apóia apesar dele ser um criminoso de guerra (ou exatamente por causa disto). Stone está empenhando toda sua imagem de homem pacifista e contrário à guerra do Vietnã para salvar a imagem dos EUA durante esta guerra do Iraque na medida em que isenta o senhor Bush II de qualquer responsabilidade pelos seus crimes.

‘Olhem como o W. Bush é engraçadinho, inofensivo e infantil. Não pode ser um criminoso de guerra, certo?’

Depois da difusão, aclamação e premiação deste novo clássico, nenhum político norte-americano terá condições de levar Bush à justiça. E quando alguém protestar ou afirmar que o filme não retrata a realidade, os seguidores do senhor da guerra dirão ‘Mas você não assistiu ao filme do Oliver Stone? Assistiu? Então não o entendeu!’ Francamente… Acho que Calígula tinha um pouco mais de humildade, humanidade e hombridade que este monstro que comanda a nação mais poderosa do planeta e que agora se tornará o cômico numero um do Oliver Stone.

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Advogado, Osasco, SP