Pela primeira vez na história da competição de maior prestígio no velho continente, a partida final da Liga dos Campeões teve duas equipes alemãs. De um lado o Bayern de Munique, amado e venerado no sul do país e que neste ano fechou o campeonato alemão com 25 pontos na frente do segundo colocado, a equipe do Borussia Dortmund, de uma região do país denominada Ruhrpott, que durante décadas viveu da produção de carvão. Enquanto Bayern de Munique tem uma história ímpar de títulos conquistados (cinco vezes vencedor da Liga dos Campeões), Dortmund conquistou o cobiçado troféu somente uma vez, em 1997, contra o Juventus Turim, e na época com Mathias Sommer como jogador, que agora atua como o diretor de esportes do Bayern.
As 7 vidas
Logo depois da derrota dramática em casa na final da Liga dos Campeões de 2012, que levou ao FC Chelsea o título, o Bayern contratou imediatamente Mathias Sommer como diretor esportivo. Na ocasião de sua estreia no clube, indagado pelos jornalistas sobre qual seria exatamente o seu papel, ele foi taxativo: “Vencer”. Os comentaristas esportivos que especulavam “um bater de frente” entre Sommer e o técnico de 68 anos, Jupp Hynckes, se enganaram. Aquilo que de início parecia ter todo o potencial para conflitos transformou-se numa dobradinha infalível. Esses dois introduziram na equipe a tolerância zero para vaidades pessoais, além de adotar o critério que não há cadeira cativa para ninguém na equipe.
O holandês Arjen Robben, depois de ter perdido o pênalti na partida contra o Chelsea, além de receber da imprensa o rótulo de fracassado ainda gerou uma discussão midiática sobre valia a pena mantê-lo no clube. Com o gol nos últimos minutos do segundo tempo, garantindo a vitória do Bayern, Robben corria pelo campo desafiando a tudo e a todos, gritando: “E aí? Qual é?”
A contratação do espanhol Josep Guardiola logo nos primeiros dias do ano, para comandar a equipe a partir de 26 de junho próximo, foi outra tacada da diretoria do clube. Pegando a mídia, os torcedores e o atual técnico Jupp Heynckes de surpresa, a diretoria anunciou a contratação de Guardiola, notícia que dominou a mídia durante três dias e que focava num Hynckes taxado como o “Bobo da corte”, “ferido” e “surpreso” quando foi informado pelo vice-presidente Karl-Heinz Rummenigge sobre o fim do seu contrato no final da temporada. Depois de três dias não se falava mais nisso e o foco era o “Triple”, o triplo, respectivamente o campeonato alemão, a Liga dos Campeões e o troféu da Confederação de Futebol (DFB, na sigla em alemão), que ocorrerá contra a equipe de Stuttgart no Estádio Olímpico em Berlim no sábado (1/6). Caso a equipe saia vitoriosa, o objetivo maior terá sido alcançado e o novo técnico encontrará uma equipe “em perfeito estado de funcionamento”, dizem os comentaristas esportivos.
O terremoto midiático
Por meio do jornalismo investigativo da revista Stern, estourou na imprensa que Uli Hoeneß teria usado a conta número 4028BEA do banco suíço Zürcher Bank Vontobel para sonegar impostos. A promotoria de Munique estima o valor sonegado em 3,2 milhões de euros, resultantes de especulação na bolsa de valores e operações de câmbio.
Após um telefonema de um funcionário do banco informando que a revista estava investigando o caso, Hoeneß teria decidido, logo nos primeiros dias do ano, a se autodenunciar perante a Secretaria Regional da Fazenda da Baviera. A imprensa só ficou sabendo disso dias depois do estouro da matéria de capa da Stern.
A chanceler Angela Merkel mandou recado através de seu porta-voz se dizendo “decepcionada”. Toda a mídia contava com a renúncia do presidente do clube, depois da reunião do conselho, mas se decepcionou. Por unanimidade, todos os membros do conselho, entre eles Telekom, Audi, Volkswagen e Adidas, foram contra o afastamento, mesmo que temporário, do presidente – o que estarreceu a opinião pública. Em declaração à imprensa, a diretoria informou: “Quando novos aspectos sobre o caso vierem à toda, a diretoria se posicionará novamente”.
Durante muitos dias, houve especulação na imprensa se a chanceler Merkel iria à final em Londres, já que em caso de vitória ela inevitavelmente teria que parabenizar o presidente do clube. E foi o que aconteceu. Angela Merkel, visivelmente bem humorada, declarou ao repórter da TV aberta ZDF estar “celebrando o futebol alemão em plena Londres” e, no final da partida, ignorando toda a consequência que isso poderá lhe trazer a quatro meses da eleições federais, fez o gesto que toda a imprensa ansiosa esperava.
A fera indomável da Bundesliga
Uli Hoeneß, que também é dono de uma fábrica de salsichas, sempre se mostrou de forte veia social, financiando projetos para crianças carentes pelo mundo afora. Hoeneß também nunca poupou críticas, seja às falcatruas da Bundeliga, quando de trata de conseguir os direitos para transmissão dos jogos, ou ao próprio clube quando joga “uma porcaria”. Para grande parte da opinião pública, o caso Hoeneß divide a sociedade entre fãs do Bayern e o resto do mundo, e bavários e o resto da República, além de ter sido tema de um programa político de TV: “O que significa o caso Hoeneß?” “Quem pode atirar a primeira pedra”, “A Alemanha perde de vez suas referências éticas?”
A verdade é que grande parte da população vê Uli Hoeneß como um benfeitor, uma figura-chave na trilha de sucesso do clube. O Hoeneß acusado de sonegar impostos é percebido como se fosse uma outra pessoa, mesmo porque a própria mídia encontra dificuldades em diferenciar os dois Hoeneß.
Sob o olhar das câmeras
A cena simbólica depois da vitória do time em Londres foi quando o jogador Sebastian Schweinsteiger, procurando Hoeneß na tribuna, ofereceu-lhe o troféu; e ele, primeiramente, negou, mas quando se viu no telão do estádio com o mundo inteiro assistindo, Honeß, com um sorriso acanhado, posicionou a taça em frente ao rosto, querendo esconder o que não podia.
A supremacia incontestável
Poucas semanas antes da final, vazou na mídia a informação de que o melhor atacante do Borussia, Max Götze, teria sido vendido para o rival Bayern. Essa notícia desestabilizou os torcedores durante dias. Só mesmo dois dias antes da final, foi anunciado que Götze, por problemas físicos, não viajaria a Londres com a equipe. Analistas o associam com o talento de Lionel Messi, ou seja, aquele que decide um jogo. O olhar de impotência de Götze, sentado na tribuna, diante do desempenho do seu time falou por si.
Ronda na mídia o boato que o atacante Lewandowski será transferido para o Bayern e que isso será anunciado ainda antes do início da Copa das Confederações. Na coletiva de imprensa, o ainda técnico, contrariando a estratégia midiática do clube, anunciou: “Max (Götze) já está na equipe. Não vai demorar muito e o Lewandowski vai chegar”, arrancando risadas da imprensa presente em Londres diante da “pequena vingança” do técnico frente à diretoria.
Os 30 primeiros minutos
Ratificando que a melhor estratégia é não deixar o adversário jogar em campo, o Borussia deu continuidade ao futebol que vinha apresentado na Bundesliga: um futebol ágil, agressivo, criativo e contagiante.
Em entrevista de página inteira ao jornal berlinense der Tagesspiegel, o treinador Jürgen Klopp declarou: “Eu vejo a vida como um presente”. Essa positividade, a jovialidade e o prazer em jogar como sinônimo de fórmula do sucesso fez do treinador do Borussia o mais cobiçado garoto-propaganda do momento na mídia alemã. O implante de cabelo, realizado pelo técnico no início do ano, foi assunto em uma coletiva de imprensa. O tema rendeu alguns dias na mídia e fez de Klopp angariar ainda mais simpatia da opinião pública independente do time para qual se torce.
O ex-técnico do Bayern, o suíço Ottmar Hitzfeld, declarou à imprensa que Klopp será “com certeza o próximo técnico da seleção alemã de futebol” – algo factível, no mais tardar quando a seleção retornar da Copa do Mundo no Brasil sem o título na mão.
A febre do duelo
Durante toda a semana passada, não houve um bate-papo, um comentário em restaurantes ou em roda de amigos que não fosse o jogo dos jogos. A TV pública ZDF, que transmitiu o jogo com comentários do ex-goleiro da seleção alemã Oliver Kahn, colocou na telinha 24 horas antes um relógio marcando a contagem regressiva.
No final do jogo, as câmeras acompanharam detalhadamente a subida dos 107 degraus da equipe do Borussia até chegar à tribuna de honra. Todos os olhares eram voltados para a forma como a chanceler Angela Merkel falaria com Jürgen Klopp: por quanto tempo, a linguagem corporal e, claro, a reação do técnico. Mais tarde, em entrevista à TV aberta ZDF, o repórter perguntou aquilo que toda a nação queria saber: “O que foi que a chanceler falou no seu ouvido?” Muito mais preocupado com o título que acabara de perder, mas sempre muito solícito com a imprensa, Klopp disse: “Ah, acho que ela disse algo tipo ‘existem momentos piores para se conhecer pessoalmente’”.
Nas imagens, ficou claro que Klopp queria ir adiante, sair logo daquele martírio, e Angela Merkel, sabendo do interesse de todo o país, soltava alguma frase que fazia o técnico ter que ficar, ou virar a cabeça para o lado direito ao seu, onde estava a chanceler. A sensibilidade de um elefante da chanceler alemã não entende que nesses momentos não há o que dizer, e quanto mais rápido e oficial o aperto de mão, menos desconfortante para quem acabou de perder o título de futebol mais importante da Europa.
O grau de intensidade nas felicitações pode ser muito bem analisado com a chanceler frente aos jogadores do Bayern de Munique. Aqueles que fazem parte da seleção alemã e, por assim dizer, “velhos conhecidos” da chanceler, têm o que a imprensa chamou de bônus. Com o jogador brasileiro Dante e o holandês A. Robben, o cumprimento foi rápido e politicamente correto. Já com os alemães Philipp Lahm e Basti(an) Schweinsteiger, a chanceler não poupou abraços, sorrisos e mão no ombro indicando cumplicidade.
O futebol alemão
A final de Wembley entre duas equipes alemães não só entrará na história como um marco esportivo, mas mostra que a qualidade do futebol alemão melhorou visivelmente nos últimos anos. Também é mérito de Mathias Sommer, que durante anos foi o responsável pela formação de novas gerações de jogadores. A equipe do Bayern atualmente conta com os brasileiros Dante, Luiz Gustavo e Rafinha, mas a necessidade de trazer jogadores de fora para o país vai diminuindo visivelmente. Por outro lado, a safra de novos jogadores espelha de forma incontestável a multiculturalidade na sociedade alemã contemporânea.
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Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988