Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Globo



TV DIGITAL
Luiz Eduardo Borgerth

A convergência divergente

"Nesta última semana, colocado em pauta pela declaração do ministro das Comunicações a favor do sistema ‘japonês’, tanto a imprensa como a Câmara dos Deputados ocuparam-se da questão da televisão digital. Trata-se de uma questão que vem sendo agitada a intervalos regulares de tempo e esquecida com a mesma regularidade.

Acontece que a decisão vem pedindo urgência. Os equipamentos analógicos já estão saindo de linha; as emissoras de televisão já possuem grande parte do seu material interno, de rede e de estúdio em operação digital e os equipamentos analógicos já não são objeto de pesquisa, aperfeiçoamento ou progresso. Além disto, a transformação completa para o processo digital, que permitirá liberar as freqüências hoje ocupadas pelas televisões abertas e gratuitas, será demorada. Quanto mais cedo for dada a largada, tanto mais cedo teremos as freqüências liberadas.

Homem de televisão que sempre foi, não podia o ministro Hélio Costa deixar de colocar a questão em pratos limpos, dando sua opinião e deixando ao presidente da República a decisão final da questão.

Em primeiro lugar, o ministro Hélio Costa não defende um ‘sistema japonês’. Defende o único sistema que permite que receptores fixos, portáteis ou móveis (leia-se celulares) recebam as transmissões que estarão no ar, diretamente das emissoras de televisão, em alta definição ou não, com excelente qualidade e de graça. Ou seja, um ‘sistema’ que permitirá ao povo assistir na rua ao que estava assistindo em casa, sem pagar nada, além de poder dispor de televisão em alta definição.

As companhias telefônicas estrangeiras, por intermédio de um surpreendente documento, afirmam: ‘…sugerimos a devida maturação da decisão quanto ao padrão tecnológico SBTVD para permitir maior participação do nosso setor.’ Sem mais nem menos, surgiram as companhias telefônicas estrangeiras querendo maior participação num setor em que não têm participação nenhuma. A partir daí, alinham ponderações fora do contexto e de propósitos que culminam com a sugestão de mudança da lei e da Constituição brasileiras, que são chamadas de ‘marco regulatório’. Em vista do que o ministro Hélio Costa, com síntese lapidar, declarou: ‘Estamos discutindo televisão digital e não telefonia digital.’

Na verdade, o que querem as companhias telefônicas, ou melhor, o que não querem as telefônicas estrangeiras é que o povo brasileiro possa assistir em receptores celulares, gratuitamente, à televisão aberta, a que está no ar. Querem a adoção de um modelo que deixe para elas, telefônicas, o direito de fazer televisão para celulares e cobrar por esse serviço adicional. Não querem convergência das mídias nos celulares; convergência só é boa na casa dos outros. Não querem que o povo, ao sair à rua, continue a ver num celular o que estava vendo em casa; os últimos minutos de um Fla x Flu ou o desfecho de sua novela favorita, sem pagar nada! Nem nas casas em alta definição, de graça. Sim, porque o modelo que preconizam tem a forânea virtude de excluir nossa televisão aberta do direito de transmitir em alta definição que, mais tarde, é claro, seria oferecida por cabo ou satélite aos que pudessem pagar. Resta o problema da Constituição. Mas, como sabemos, se a Constituição brasileira não permite qualquer coisa, pior para a Constituição. É disto que se trata.

Em matéria de eletrônica, apostar que o ‘sistema’ japonês não seria o melhor de todos teria sido jogar dinheiro fora. O seu ‘sistema’ permite tudo, permite alta definição e recepção direta em qualquer modalidade, permite uni ou multiprogramação e está em funcionamento no Japão. É um modelo que pode o mais, portanto, que pode o menos. A partir daí, quem terá ou não terá concessões de televisão, quem terá ou não renovadas as suas concessões, competirá ao governo e ao Congresso decidir, nos termos da lei e da Constituição, com todos os subterfúgios para fraude, como faz parte da cultura pátria. Boa ou ruim, é a nossa pátria.

O modelo preconizado pelas telefônicas pode o menos. Transformará, para sempre, a televisão brasileira numa televisão nanica e incipiente.

A solução proposta pelo ministro agradou à Globo? Agradou ao SBT? Agradou à Bandeirantes, à Record? É claro. A quem deveria agradar, senão às emissoras brasileiras que vão ter o custo de fazê-la?

Para as televisões, o modelo japonês não muda nada, só representa investimentos, e o prazer de transmitir imagens melhores, nunca vistas. Já passaram por isso quando da introdução da televisão em cores. Para o consumidor, acontece o mesmo. Quando puder e valer a pena, comprará seu novo receptor digital, exatamente como fez quando da introdução da televisão em cores. Para o governo é melhor: terá à sua disposição escolher o modelo que quiser sem qualquer limitação, aumentar o numero de canais e ser o pai da televisão em alta definição. As telefônicas continuarão a ser telefônicas. A gente continuará a falar no telefone e não o telefone com a gente.

O ministro Hélio Costa ousou não se curvar diante do incomensurável poder, publicidade e lobby das telefônicas estrangeiras e nacionais, se é que existem, no Brasil. Hélio Costa sabe, melhor do que ninguém, o que é televisão, o que é democracia e o que é a Constituição: ajudou a fazê-la.

O inesquecível Nélson Rodrigues dizia que o problema do Brasil era que ‘o brasileiro tem vergonha de ser brasileiro’. O ministro Hélio Costa não tem. Muito menos terá o presidente da República.

Luiz Eduardo Borgerth é advogado e consultor de empresas de radiodifusão."



MERCADO EDITORIAL
Rachel Bertol

Mitos e verdades do mercado editorial

"A frase geralmente vem com veneno, definitiva, pronta para ferir os brios: os argentinos teriam, em sua capital, mais livrarias que todo o gigante em berço esplêndido. Resta lamentar o destino e invejar em silêncio a grama literária do vizinho. Contra um argumento desses não há o que dizer – exceto que está errado. Calcula-se (talvez seja mais exato escrever ‘estima-se’, já que as estatísticas são precárias) que o Brasil tenha 1.800 livrarias. Buenos Aires, 400. O problema, contudo, é que se o mito está derrubado, pelo menos como enunciado, esses números absolutos estão longe de fazer jus à questão: ainda é muito mais fácil um argentino tropeçar numa livraria que um brasileiro. Na segunda reportagem sobre os mitos e verdades do mercado editorial, especialistas falam dos entraves da área e de possíveis soluções (algumas polêmicas) para o problema. Que, aliás, não é privilégio nacional: em Londres também se discute a sobrevivência das livrarias independentes.

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Os homens antigos não viviam sem mitos, com os quais explicavam muitos dos mistérios desvendados pela Humanidade ao longo dos séculos. No Brasil, a situação da leitura e do mercado editorial ainda parece, muitas vezes, numa era de antigüidade mitológica. São muitas as histórias, as hipóteses, as aparências, mas ninguém conhece ainda ao certo a verdade sobre índices de leitura, sobre a economia do setor, sobre o número e o estado das livrarias no país.

A partir de hoje, e nas próximas três semanas, o Prosa & Verso vai debater alguns dos mitos que norteiam a atividade editorial no país, ou as meias-verdades que tanto dificultam ações eficazes de política de Estado no incentivo à leitura. Vai também mostrar o esforço que tem sido feito para pôr fim ao cenário de incertezas e palpites. Quem nunca ouviu que o brasileiro não gosta de ler? Hoje, o mito em debate é justamente este. Verdade ou mentira? Profissionais que trabalham no incentivo à leitura, sempre em busca de apoio para realizar seus projetos, desmistificam essa questão e contam um pouco da sua emoção ao descobrir e formar leitores nos rincões do país.

Na próxima semana, será a vez de lançar a discussão sobre as livrarias. Sempre se comentou que Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil inteiro. Hoje, já se diz que isso não corresponderia mais à realidade, em grande parte devido à crise econômica vivida pelos portenhos nos últimos anos, mas de toda forma não se apresentam dados para embasar as comparações. Isso porque, simplesmente, ainda não há informações consolidadas a respeito no Brasil. Quais as conseqüências desse desconhecimento?

Em seguida, será a vez de um tema espinhoso: o preço do livro e, de quebra, a situação do mercado editorial no país. A maior parte dos editores brasileiros assegura que o livro no Brasil não é caro. Esta, porém, não é a opinião do consumidor. E novas pesquisas econômicas realizadas nos últimos anos mostram que haveria espaço para redução de preços, o que, a princípio, atrairia maior fatia de compradores, ou seja, aumentaria o acesso ao livro. Na última semana, a série vai se voltar para a situação dos autores no país: afinal, as editoras preferem os escritores estrangeiros aos brasileiros? Vamos aos fatos."



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Os hábitos por trás dos números

"Apesar dos prêmios, a Expedição Vaga Lume ainda enfrenta ‘a tristeza’ que é a dificuldade de arrumar patrocínio, diz Maria Teresa. Apesar do ceticismo que enfrentam na hora de captar recursos, ela não tem dúvida de que a idéia de que o brasileiro não gosta de ler se trata de um ‘mito’.

– A coisa mais importante é que o brasileiro não tem acesso ao livro. Eu já vi muito noveleiro trocar a novela das oito para ficar grudado nos livros. Às vezes, são mais de 600 retiradas numa biblioteca. É impressionante. Em Santarém, foi preciso organizar filas com as crianças, que corriam para pegar os livros. Elas saem da aula e chegam a esperar uma hora para ter acesso à biblioteca. Num assentamento de sem-terra deixamos o acervo básico de 300 títulos e, no ano seguinte, quando voltamos, o número de obras tinha saltado para 1.300 – conta Maria Teresa.

Despertar gosto pelas letras não é tarefa fácil

Nem sempre, entretanto, os resultados são assim promissores. Já houve comunidade em que, do acervo inicial de 300, um ano depois só restavam dois livros. Isso porque, para formar leitores, não basta dar livros às comunidades: é preciso despertar o gosto pelo livro, e nem sempre a tarefa é fácil.

– Para isso nós formamos mediadores de leitura e temos preferido trabalhar com agentes comunitários, em vez de professores, porque estes são transferidos com freqüência e o trabalho se perde. Uma parte considerável é analfabeta funcional, mas é uma gente guerreira. Há professores que nunca tiveram um livro e estudaram sem caderno. Depois de um tempo, leram várias vezes o mesmo livro e acabam pedindo obras mais complexas.

Calcular o número de livros disponíveis pelo de habitantes, portanto, pode ser uma armadilha perigosa, que não indica a verdade sobre a leitura no país. Mas o Brasil, em parte, ainda é refém da armadilha. Afinal, o índice de 1,8 de livro por habitante/ano resulta de uma divisão simples: a do total de pessoas escolarizadas (mais de três anos de estudo) e mais de 14 anos, pelo da produção anual de novas obras. Para se ter uma idéia, na França esse índice é de 7; nos EUA 5,1; na Inglaterra 4,9 e na Colômbia 2,4.

– É o tipo de conta burra que acaba formando mitos – reconhece Felipe Lindoso, que esteve à frente da mais importante pesquisa sobre leitura no país, Retrato da Leitura, da qual se tirou o número de 1,8. – É preciso sempre complementar esse índice com outras perguntas, sobre se a pessoa leu algum livro nos últimos três meses ou lê algo no momento.

O problema desse cálculo é que ele não leva em conta livros emprestados, adquiridos em sebos, pertencentes a bibliotecas ou mesmo da prateleira de casa. Mais grave, põe no mesmo saco os hábitos de leitura de analfabetos funcionais, numerosos no Brasil, e leitores completos. Para esses últimos, estima-se uma média de consumo de 5,5 livros por ano.

A Retrato da Leitura foi realizada há cinco anos e contém informações detalhadas, muitas delas ainda hoje inexploradas, afirma Lindoso. Primeira do gênero, nunca mais foi repetida, embora Galeno Amorim, presidente do Conselho Diretivo do Vivaleitura, projeto do Ministério da Cultura, afirme que se realizará outra em meados deste ano, igualmente abrangente. Nos últimos anos, o número de 1,8 foi tantas vezes repetido por políticos e entidades editoriais que chegou a adquirir uma aura cabalística, ironiza Jason Prado, diretor da ong Leia Brasil.

– É uma falácia afirmar que o brasileiro não gosta de ler. No entanto, há vícios de origem que dificultam a difusão da leitura no país. Um deles é o fato de as políticas para o livro no Brasil sempre terem sido traçadas por gente ligada ao meio editorial. As pessoas acham que é preciso vender livros para resolver a questão. As editoras sempre estiveram mais preocupadas com a venda do que com o incentivo à leitura. Se a solução fosse comprar livro, não teríamos mais problema algum. O enfoque tem sido mais mercadológico que social – critica.

A Leia Brasil nasceu no início dos anos 90, inicialmente como um projeto da Petrobras, e hoje atua em diversas regiões com bibliotecas volantes montadas em caminhões; treinamento de professores; ações com contadores de histórias, escritores, atores; a realização de seminários, debates e eventos e a edição de publicações próprias.

– O terceiro setor surge devido à deficiência do governo em realizar políticas de leitura no país. A Política Nacional do Livro (que o governo planeja apresentar em março, na Bienal do Livro de São Paulo) parece maravilhosa, mas irrealizável. As políticas governamentais neste setor em geral duram pouco – afirma o diretor da Leia Brasil.

A intenção do governo com a nova proposta de Política, assegura Amorim, do MinC, é transformar as ações esporádicas em projetos de Estado de longo prazo. Mas apesar desses planos de continuidade, o governo Lula frustrou expectativas no setor ao desmantelar o Pró-Ler, um dos mais importantes programas de incentivo à leitura que o país já teve, criado no início dos anos 90 pela Biblioteca Nacional por sugestão da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

A Biblioteca já anunciou planos de reativá-lo esse ano, mas por enquanto só há os diversos projetos tocados de forma independente pela FNLIJ, como convênios com a prefeitura de Nova Iguaçu, para incentivar a leitura, e com o Instituto Ecofuturo, da Suzano, para a instalação de bibliotecas comunitárias pelo país. Além, claro, do Salão do Livro Infantil e Juvenil, que acontece todo ano no Rio.

– A situação melhorou, mas é pouco para o que o Brasil precisa. Os problemas têm sido debatidos, mas não ocorreu uma transformação profunda – acredita Elisabeth Serra, secretária-geral da FNLIJ.

Círculo viciosode desinteresse

Não é difícil ser cético com a leitura no país. Afinal, é pequeno o número de brasileiros com capacidade de realmente ler: segundo o Instituto Paulo Montenegro, somente 26% dos jovens e adultos entre 15 e 64 anos são plenamente alfabetizados. Além disso, a ausência de bibliotecas no ensino fundamental cria um círculo vicioso de desinteresse. Todas as pesquisas indicam uma estreita ligação entre ensino e nível de leitura.

– Nem posso dizer que o brasileiro não gosta de ler, já que em geral nem consegue chegar perto do livro. Em todo caso, quando você tem a possibilidade de oferecer bons livros, com alguém para ler e conversar a respeito, o resultado é sempre interessante – afirma Elisabeth."



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Novos projetos para a área

"As atividades do Ano Ibero-Americano de Leitura, em 2005, receberam o nome no Brasil de Vivaleitura. Um dos frutos dos encontros promovidos pelo programa será a realização, este ano, de uma pesquisa sobre hábitos de leitura que faz parte de um projeto-piloto com quatro países ibero-americanos – além do Brasil, Venezuela, Colômbia e México – que utilizarão a mesma metodologia para descobrir quem lê, o quanto lê, seus gostos etc. A idéia é que a pesquisa venha a ser realizada de maneira contínua nos 21 países ibero-americanos para, desta forma, haver uma base comum de comparação e implementação de políticas.

– Embora deva fornecer informações de grande utilidade para a cadeia produtiva do livro, como também para outros atores sociais que atuam com a mediação da leitura, essa pesquisa tem como objetivo traçar diagnósticos e levantar informações para as políticas públicas. Como estas devem sempre ser pensadas e implementadas levando em conta o conjunto da população, e não um ou outro segmento, precisamos apurar índices corretos, sejam eles quais forem – explica Galeno Amorim, presidente do Conselho Diretivo do Vivaleitura.

A pesquisa será tão abrangente quanto a Retrato da Leitura, realizada em 2000 pelo Sindicato Nacional do Livro (Snel) e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). O Vivaleitura, em seu site, listou no ano passado cerca de 1.500 agentes – ongs, bibliotecas públicas e privadas, governos etc – que realizam atividades para estímulo da leitura no Brasil. Para Amorim, é fundamental melhorar as formas de acesso ao livro no Brasil.

– O papel social da leitura no imaginário coletivo do brasileiro está abaixo do que existe em países com mais tradição de leitura. O Brasil ainda precisa dar passos importantes neste campo. Quando se criam condições para a leitura, vemos coisas extraordinárias – diz ele.

Uma das ações do Vivaleitura em 2005 foi a realização de uma campanha com anúncios na TV protagonizados por Reynaldo Gianecchini e Cléo Pires. A partir de março, o nome Vivaleitura será emprestado à nova Política Nacional do Livro, Leitura e Bibliotecas, que será apresentada na Bienal do Livro de São Paulo."

Felipe Lindoso

A importância do acesso à leitura

"Iraci vende potinhos de iogurte e talões de estacionamento numa praça atrás do MASP, em São Paulo. Sempre a vejo no seu ponto, lendo. Ela mal ganha dois salários mínimos por mês. Compra livros em sebos e pontas de estoque. É uma leitora eclética. Ano passado, entre outros, leu ‘O código Da Vinci’, ‘O fantasma de Luis Buñuel’, de Maria José Silveira; já leu também Guimarães Rosa, Machado de Assis (adora!) e Clarice Lispector. Pediu emprestada minha edição das ‘Mil e uma noites’.

Tubertino é goiano, ascensorista no prédio de um banco na Avenida Paulista. Esse gosta de policiais (‘Comecei com a Agatha Christie, mas gosto mesmo é dos americanos’) e de livros espíritas, Chico Xavier, Zíbia Gasparetto, etc. Sobe e desce o dia inteiro lendo. Já incorporou o ritmo dos andares e vai parando sem olhar o indicador luminoso.

O caminhante atento encontra esses personagens por aí. Lendo geralmente exemplares de segunda mão, velhas edições do Círculo do Livro ou livros adquiridos em sebos. Ou aqueles vendidos em bancas de revistas.

Entretanto criou-se o mito de que ‘brasileiro não gosta de ler’. Será verdade?

Ou será que essa versão de que ‘brasileiro não gosta de ler’ revela mais sobre uma elite – política, econômica e administrativa – que não percebe a importância do acesso à leitura para todos como um componente essencial na construção de uma sociedade democrática? Será que os exemplos acima não mostram como as pessoas buscam, nos interstícios do seu tempo e com parcos recursos, condições para saciar necessidades multifacetadas de acesso a esse instrumento de informação, cultura, lazer e de satisfação de inquietações psicológicas, religiosas e morais que são os livros?

Mas não contraponhamos anedotas pontuais a um mito. Alguns dados podem ser úteis.

A pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, feita no ano 2000 por iniciativa das entidades do livro e dos fabricantes de papel é a única, até hoje, que tentou definir o consumo de livros no país, medindo sua penetração e as dificuldades de acesso. Não foi refeita desde então, o que seria necessário para acompanhar as mudanças.

Entretanto, ainda que nos baseemos em dados defasados, o que o Retrato mostra não sustenta a versão de que ‘o brasileiro não gosta de ler’. Na verdade, contribui para pensar o contrário.

A pesquisa foi feita por amostragem considerando como universo a população superior a 14 anos de idade com pelo menos três anos de escolaridade, o que equivalia, na época, a 86 milhões de pessoas. Esse universo, entretanto, incluía o grande grupo de analfabetos funcionais, que chega a 65% da população.

O Retrato da Leitura apresenta, grosso modo, os seguintes resultados: 20% desse universo comprou pelo menos um livro nos últimos 12 meses, com a média de 5,92 livros per capita; 14% do universo estava lendo um livro no momento da pesquisa; 30% do universo declarou ter lido um livro nos últimos três meses; 62% afirmou que ‘gosta de livros’.

A correlação não é simples, mas indica claramente que a população efetivamente alfabetizada (26% da população total) é, em sua esmagadora maioria, leitora de livros.

O Retrato da Leitura constatou também que existe uma total dependência da escolaridade vinculada ao hábito de leitura (e compra) de livros, além da forte influência do fator econômico: uma parcela substancial dos entrevistados não lê mais porque os livros são caros e não são encontrados em bibliotecas.

Duas conclusões se impõem.

A primeira é que os brasileiros com mais instrução, capazes de compreender o texto escrito, lêem bastante. Ainda estão longe dos espanhóis, por exemplo, (35% deles são ‘leitores freqüentes’), mas o suficiente para caracterizar como mito essa história de que brasileiro não gosta de ler.

A segunda é que dois fatores estão na raiz do baixo índice de leitura: escolaridade (de qualidade) e condições de acesso ao livro. Há décadas vemos um esforço continuado de melhoria na qualidade do ensino. Mas não se vê esse mesmo esforço e recursos para a construção e aparelhamento das bibliotecas públicas, cujo estado geral é simplesmente uma vergonha nacional.

Com mais (e melhor) educação, e mais (e bem aparelhadas) bibliotecas, leremos tanto quanto qualquer povo.

FELIPE LINDOSO é antropólogo, pesquisador de políticas públicas de cultura e autor do livro ‘O Brasil pode ser um país de leitores?’ (Summus Editorial)"



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O brasileiro não gosta de ler’

"Em 2000, elas eram três amigas com pouco mais de 20 anos que se juntaram para fundar a Expedição Vaga Lume, projeto que visa a criar bibliotecas comunitárias na Amazônia Legal, o vasto território que inclui os estados de Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Tocantins. As ‘vaga-lumes’, como as meninas acabaram conhecidas depois de muitas andanças pela região, nunca se intimidaram com o fato de o Brasil apresentar, segundo estatísticas oficiais – e mesmo assim questionáveis -, um dos mais baixos índices de leitura do mundo, de 1,8 livro por habitante no ano. E fizeram ouvidos moucos a quem lhes dizia que livros, num país de muitos analfabetos, semi-alfabetizados e sem tradição de leitura, não trariam retorno algum.

O sonho nascera em 1999, durante uma viagem à Ilha de Marajó. As meninas, todas de São Paulo, não se conformavam com o fato de os habitantes da região amazônica, de natureza e tradições riquíssimas, receberem tão escassos investimentos. Depois de muitas conversas, escolheram o livro como forma de se aproximar das comunidades e contribuir para tirar seus moradores do isolamento.

– A biblioteca foi uma estratégia que encontramos. É um patrimônio comum, do qual todos podem participar – conta Maria Teresa, de 28 anos, que até hoje trabalha com as amigas Sílvia Guimarães, da mesma idade, e Laís Fleury, de 31 anos.

Relatam elas na internet: ‘Há muita discussão sobre os baixos índices de letramento entre a população brasileira. ‘Brasileiro não gosta de ler’, crêem uns, ‘aqui faz muito calor, o povo é preguiçoso’, dizem outros’. Sem se prender a esse tipo de preconceito, elas partiram para a ação, preocupadas em responder: ‘Afinal, o que é necessário para que alguém se torne leitor?’

A resposta encontraram na prática. A Expedição Vaga Lume funciona atualmente em cerca de 100 comunidades rurais de 20 municípios da Amazônia Legal e já coleciona seis prêmios, incluindo um Jabuti de Amigo do Livro."



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Os nós e os gargalos da distribuição

"O economista Felipe Lindoso, responsável pela pesquisa Retrato da Leitura, de 2000, afirma sem meias palavras que a compra governamental de livros junto às editoras, por licitação, é uma das maiores distorções do mercado:

– O governo é o maior concorrente das livrarias. Tem o maior programa de compra de livros o mundo, segundo ele mesmo! O argumento é que essa é a maneira mais barata de dar livros para todos, mas isso é cretino. Não passa pela cabeça nem pela calculadora dos técnicos a importância social da livraria. Há países que resolvem essa equação dando vales que podem ser trocados em livrarias, por exemplo.

Os números são realmente impressionantes: o mercado de didáticos totalizou R$ 1,9 bilhão em 2004. No mesmo ano, o governo comprou R$ 530 milhões em livros. Dinheiro que poderia ter ido para o caixa de milhares de livrarias.

Dois lados comrazão e números

A verdade, contudo, é que ambos os lados da discussão têm contas na ponta do lápis e argumentos na ponta da língua. Daniel Balaban, um dos diretores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, órgão do Ministério da Educação responsável pela maior parte das compras governamentais de livros, reage à proposição como quem encontra uma velha e desagradável conhecida.

– Um livro didático custa na livraria R$ 70 ou R$ 80. Sabe por quanto o MEC compra? Por R$ 5. Em média são comprados 120 milhões de livros por ano. Como envolveríamos as livrarias? Não haveria orçamento que chegasse. Além do mais, não podemos, no Ministério da Educação, cuidar de um setor da economia. Seria o mesmo que o Ministério da Saúde comprar medicamentos em farmácias.

Há outros coadjuvantes, como o ‘fator fotocópia’, que atinge livrarias e editoras. Estudo da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) mostra que, em média, cada universitário utiliza 628 páginas fotocopiadas de livros por ano – e que continua longe das livrarias. Se o número não assusta, aí vai outro: isso equivale a 10 milhões de livros, num mercado de 20 milhões.

As grandes lojas, especialmente as virtuais, também são sempre apontadas como vilãs. Seus preços mais baixos dificultam o trabalho de livreiros menores, que têm estoques pequenos e pouco poder de barganha junto às editoras. Mas depois de fazer uma comparação informal entre os preços praticados em livrarias virtuais e físicas num mesmo grupo de livros, Lindoso chegou a uma conclusão que pode espantar:

– Apesar da estratégia de preço único não ser oficial aqui no Brasil, a maioria dos livros acaba sendo vendida pelo preço recomendado pela editora. Isso muda um pouco apenas nos best-sellers, que têm descontos, e com encomendas mais vagarosas. Se você escolhe uma livraria virtual que entrega devagar, o livro realmente barateia. Mas se quiser o livro rapidamente, ele vai custar quase o mesmo, senão o mesmo, do que está na vitrine da livraria de rua. E a internet tem um aspecto muito positivo: com ela, você, de uma forma muito particular, claro, democratiza o acesso aos livros.

Lindoso, além de livreiros, editores, diretores comerciais e outros entrevistados pelo GLOBO tocam nesse mesmo ponto: o território. Com a maior parte da produção de livros centrada na região Sudeste, livros são artigos raros e caros em outras regiões do país.

– No Brasil, a concentração de venda segue a concentração de renda. Então temos cerca de 85% das vendas de livros acontecendo nas regiões Sul e Sudeste e um enorme vazio no resto do país – conta o gerente comercial da Jorge Zahar Editor, Jaime Mendes. – Veja nosso caso: lançamos um livro por semana. Livrarias pequenas compram quantidades pequenas. É simplesmente antieconômico enviar poucos livros assim. Então o que geralmente fazemos? Esperamos os novos lançamentos de um mês inteiro para então mandar isso para estados como Rondônia, Acre e outros. Em Rio Branco, por exemplo, temos apenas um ponto de venda. A capital do estado às vezes tem livros que já saíram no Rio ou em São Paulo um mês antes.

Jaime tem certeza que a situação mudaria se a logística fosse outra.

– Como já acontece em outros casos de envio, os Correios poderiam ter uma taxa de envio diferente, subvencionada, para livros.

O tempo do livroe a economia

Mas para Eduardo Yasuda, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e diretor da Melhoramentos, mais que as enormes distâncias do país, o que deixa o trabalho do livreiro complicado é o descompasso entre o tempo do livro e o da economia brasileira.

– Não é novidade dizer que temos alguns dos juros mais altos do mundo. E o livro, por outro lado, tem um prazo lento de venda. Ele fica na prateleira algum tempo. Para mim, o grande problema é que atores como o BNDES financiam o mercado editorial e a montagem de lojas, mas não o que é mais difícil, que é o giro de capital. Acima de um milhão de reais, o dinheiro do BNDES é barato. Mas um livreiro precisa de muito menos que isso, às vezes de R$ 50 mil, para ter giro e manter a livraria aberta. Só que esse dinheiro ‘pequeno’ é muito mais difícil de conseguir e tem carência alta.

E, em busca do giro, cria-se outro ciclo vicioso, esse nem tanto econômico, mas cultural, como explica Marcos Gasparian, da ANL carioca.

– Para ter giro de caixa, o livreiro tem que ganhar dinheiro rápido, o que ele só faz com best-sellers. Mas aí empobrece seu catálogo e, com o tempo, perde a clientela. Culturalmente, isso é perigosíssimo, acaba prejudicando nossa literatura. Imagine se, daqui a alguns anos, só se conseguir encontrar uns poucos títulos de Jorge Amado: ‘Tieta’, ‘Dona Flor’, ‘Gabriela’ e ‘Capitães de areia’?"

Carolina Brígido

Governo aumenta investimento em leitura

"O Ministério da Cultura gastou, no ano passado, R$ 32,8 milhões para custear o programa Livro Aberto – mais que o dobro dos R$ 15,8 milhões gastos para o mesmo fim em 2004. O dinheiro é empregado em bibliotecas de todo o país, incluindo sua instalação, a capacitação de funcionários para gerenciá-las e a produção de eventos culturais nesses locais. Apesar do crescimento no investimento, a cifra ainda é inferior aos R$ 51,9 milhões gastos em 2005 pelo ministério nas áreas de cinema, som e vídeo.

Ainda assim, o coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura, Galeno Amorim, diz estar satisfeito com a verba usada em bibliotecas no país.

– O investimento feito em 2005 nessa área foi muito maior do que o registrado em qualquer época. Houve um crescimento muito grande em relação ao ano anterior. Esse é o tipo de comparação que deve ser feita, porque cada área tem demandas diferentes de gastos – diz Amorim.

O governo federal gastou no ano passado mais de R$ 45 milhões na compra de livros de literatura para crianças de 1 a 4 série. Esses recursos saíram do orçamento do Ministério da Educação (MEC). Parte das obras adquiridas serão distribuídas neste ano às bibliotecas de todas as escolas públicas do país. A compra foi custeada com recursos do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, do MEC, em vigor desde 2003.

Mais que distribuirlivros, equipar

A intenção do projeto é equipar as instituições de ensino com livros, e não simplesmente distribuí-los individualmente aos alunos. Acredita-se que, dessa forma, a política de incentivo à leitura seja mais efetiva.

– Não basta só distribuir livros. É preciso que os professores e os bibliotecários façam a intermediação entre as crianças e as obras. Elas precisam ser incentivadas e inseridas no hábito da leitura – argumenta a secretária de Educação Básica do MEC, Jeanete Beuchamp.

Por isso, o ministério inclui nos gastos a capacitação dos professores e bibliotecários para lidar com os alunos e estimular a leitura através de um guia. Além disso, será lançada em abril uma revista com o relato de experiências bem-sucedidas na área e dicas para os educadores. A preocupação com o tema surgiu porque uma inspeção do MEC ainda não concluída flagrou em várias escolas livros empacotados, em vez de dispostos nas estantes.

Nessa mesma linha de incentivo à leitura, serão inaugurados ao longo deste ano, ainda em caráter experimental, centros multimídia em 19 cidades. Trata-se de um novo conceito de biblioteca, com mais atrativos do que apenas os livros. Os locais terão computadores, televisores e aparelhos de DVDs para oferecer aos jovens conteúdo educativo em várias formas de comunicação.

– Queremos expandir o conceito de biblioteca – explica Jeanete.

Os livros são distribuídos em quantidades proporcionais ao número de alunos de cada escola. Instituições com 500 mil estudantes, por exemplo, recebem 100 livros. Antes de 2003, eram utilizados exemplares em formato padrão, com o mesmo tipo de letra, com ilustrações em preto e branco, em um tamanho único e grampeado. Atualmente, os alunos das escolas públicas têm acesso às obras originais, iguais às disponibilizadas no mercado."

Douglas McMillan

‘Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil’

"O número que realmente dá conta do problema da comercialização de livros no país é o que mede quantas pessoas uma livraria serve em média. E aí, perdemos feio da terra de Borges: há uma livraria para cada 50 mil argentinos, enquanto no Brasil a vastidão de 84.500 pessoas se espreme na matemática das estatísticas em um único estabelecimento onde se vende livro.

Como vimos na primeira reportagem da série sobre o mercado editorial nacional, publicada pelo Prosa & Verso na semana passada, o brasileiro gosta de ler, ao contrário do que muitos pensam. Quando estimulada do jeito certo – primeiro, claro, aprendendo a ler bem, o que ainda é raro – muita gente está disposta a buscar a companhia de um livro. Mas o que os números sobre a distribuição insinuam, contudo, é que essa demanda por leitura ainda não é sólida o bastante para plantar por todo o país livrarias capazes de se sustentar.

Uma das razões disso, apontam ao GLOBO diversas pessoas ligadas à distribuição, é que o mercado livreiro está privado de um segmento de grande importância econômica, responsável pela criação de novos leitores: os livros didáticos. Enquanto as livrarias ficam sem parte importante de seu faturamento, o público perde um grande incentivo para se habituar a um ambiente onde se respira livro. Não é impossível, é antes bem provável, que uma pessoa que tenha começado a ser alfabetizada na década de 90 não precise entrar numa livraria até o fim da vida.

Nosso personagem hipotético faria o ensino fundamental numa escola pública. Todas recebem diretamente do governo os livros de cada ano letivo, incluindo-se aí não-didáticos, como por exemplo clássicos da literatura e infanto-juvenis. No ensino médio, se transferiria para um colégio particular. Hoje em dia, é cada vez mais comum comprar os livros necessários na própria escola. É uma opção muito mais econômica, já que as editoras negociam diretamente com as instituições de ensino preços mais baratos para grandes remessas. Depois, preparando-se para o vestibular, o aluno-modelo ingressaria num cursinho que já oferece apostilas de português, física, literatura ou qualquer outra matéria com o preço das mensalidades. Vem a faculdade, e depois a pós-graduação, onde nosso amigo se alimenta de capítulos fotocopiados de livros e apostilas customizadas . Ao concluir os estudos, esse aluno terá passando um terço de sua vida sem precisar entrar numa livraria.

– O didático é fundamental para a abertura de novas livrarias. Foi como eu comecei, anos atrás: indo a escolas em começo de ano letivo e oferecendo descontos para os pais – afirma Marcos Gasparian, um dos donos da livraria Argumento, no Leblon, e presidente da seção estadual da Associação Nacional de Livrarias (ANL). – É importante por duas razões: primeiro, nos dá um fluxo de capital no início de ano, o que é fundamental, e segundo, faz com que as pessoas comecem a se cercar desde cedo de livros. Livrarias não são só intermediários que se pode cortar, são também lugares de cultura."

Fernando Duarte

Lugar ao sol para as independentes

"Nikki Kastner demorou para perceber que o adolescente em frente ao caixa não estava de gozação ao perguntar quando poderia devolver a cópia de um livro de Eoin Colfer. Ele e os colegas achavam que estavam numa biblioteca pública em Clapham (bairro do sul de Londres), não numa das raras livrarias independentes da região. Um estabelecimento espremido entre supermercados, filiais de grandes cadeias e a presença voraz de concorrentes virtuais que fazem de cada semana de sobrevivência um ato de heroísmo.

– Teria dado risada se não fosse extremamente triste que aquelas crianças estivessem surpresas ao ver que não apenas supermercados ou megastores oferecem livros ao consumidor – diz Nikki, diante da fachada simplória da Clapham Bookshop, que em pleno horário de almoço tinha apenas um solitário cliente espiando as prateleiras.

Talvez mais gente estivesse visitando a livraria caso Nikki pudesse oferecer extras como sofás confortáveis e variedades bacaninhas de canecas de café. Mas a tarefa de manter as portas abertas já parece hercúlea, num cenário em que a concorrência acena com preços menores ou a conveniência de colocar best-sellers em meio a laticínios e hortifrutigranjeiros, além de desfrutar de um relacionamento bem mais camarada com as grandes editoras.

– Já saímos perdendo no momento de adquirir o estoque. As grandes redes de livrarias conseguem comprar novos lançamentos a um custo pelo menos 30% mais baixo que nosso preço final de venda. As lojas independentes estão cada vez mais solitárias no mercado – queixa-se ela.

Negócios sem a ajuda do governo

Não há muitos sinais de ajuda por parte das autoridades, ainda que o Office of Fair Trading (OFT), o órgão antitruste do Reino Unido, tenha recentemente provocado suspiros de alívio nos operadores independentes ao bloquear temporariamente a proposta de compra da rede Ottake pelo grupo HMV, que concentraria uma fatia de 50% do mercado das categorias mais populares de livros. Isso porque os apuros de lojas como a Clapham Bookshop têm origem em 1997, com a decisão do governo de tornar ilegal o Net Book Agreement, o acordo pelo qual as editoras estabeleciam um limite nos descontos sobre preço de venda.

Uma decisão que resultou em maiores benefícios para o consumidor, sobretudo por abrir um espaço precioso no mercado para livrarias virtuais como a Amazon, mas que não parece ter promovido a competição saudável prevista pelas autoridades britânicas. Especialmente pelo desequilíbrio provocado na disputa entre grandes e pequenas editoras por espaço nas prateleiras.

– Há um quadro em que a decisão sobre a oferta de obras e autores fica cada vez mais nas mãos de poucos, o que vai diminuir o acesso de editoras menores ao mercado e a chance de novos nomes terem seus trabalhos chegando ao público – reclama um porta-voz da Sociedade Britânica de Autores.

Mesmo entre autores consagrados há preocupação. No ano passado, por exemplo, o escritor Alan Bennett aproveitou a realização do tradicional Festival Literário de Cheltenham para conclamar seus leitores a boicotar a Amazon e redes como a Waterstones (cujas lojas são tão comuns nas ruas britânicas como filiais do McDonalds) e comprar seus livros em lojas independentes.

Especialização, chavepara se diferenciar

Na improbabilidade de o apelo de Bennett ter efeitos substanciais, resta a livrarias como a Clapham Bookshop a chance de aproveitar as poucas brechas deixadas pela concorrência. Nikki dedicou os últimos meses à especialização de seu estoque e a seção de títulos étnicos de sua loja tem ajudado a aumentar o movimento. Ela também espera capitalizar em convênios com escolas da região e aposta, ainda com um certo desespero, na chance de oferecer um atendimento mais personalizado aos clientes.

– As grandes lojas certamente não têm um staff capaz de orientar o consumidor com mais atenção. E podemos criar espaço para autores e editoras que estejam enfrentando dificuldades para chegar às grandes lojas – diz ela, lutando para que seu estabelecimento não engrosse os números de independentes que fecham as portas no Reino Unido, 20 só em 2004."

Janaína Figueiredo

Nas estantes portenhas, revitalização

"BUENOS AIRES. Antes, durante e depois da crise política, social e econômica que assolou a Argentina em 2001, o país perdeu muitas de suas preciosas livrarias, tradicional símbolo da riqueza cultural argentina. Foram anos difíceis, mas a maioria das lojas sobreviveu e hoje a Câmara Argentina de Papelarias, Livrarias e Afins (Capla, na sigla em espanhol) estima que existem cerca de 2 mil pontos de venda de livros em todo o país. Deste total, entre 60% e 70% estão localizados na capital argentina. No ano passado, as livrarias argentinas lançaram 17.825 novas obras literárias no mercado, superando em 5,5% o número do ano anterior.

– Em 2001 nosso mercado entrou em colapso, como tudo na Argentina. O livro não é um produto de primeira necessidade como a carne – explicou ao GLOBO o vice-presidente da Capla, Ecequiel Leder Kremer.

‘Para muitos, ler ainda é uma obrigação moral’

Segundo ele, ‘durante a crise econômica os livros argentinos perderam muito espaço no mercado dado o expressivo aumento das importações de livros da Espanha e do México’.

– Hoje recuperamos o espaço perdido e voltamos a ser um dos principais mercados da América Latina. A Argentina tem uma antiga tradição de leitura, para muitas pessoas ler ainda é uma obrigação moral – afirmou Kremer, gerente da livraria Hernández, uma das mais clássicas da Avenida Corrientes, no centro de Buenos Aires.

A grande maioria dos livros é comercializada na capital do país, sobretudo nas livrarias da Corrientes e da avenida Santa Fé. Em alguns trechos destas duas avenidas portenhas – sobretudo no centro da cidade – ainda é possível encontrar pelo menos uma livraria por quarteirão.

– Em todos os bairros de Buenos Aires existem livrarias, sem exceção. Mas em alguns lugares, como no centro da cidade, encontramos várias casas juntas. Também temos grandes livrarias em shoppings – contou o vice-presidente da Capla.

As pequenas livrarias, disse Kremer, foram as mais castigadas pela crise econômica. Mas hoje pequenos comércios convivem com grandes lojas localizadas em estratégicos shoppings portenhos como Alto Palermo, Galerias Pacífico e Patio Bullrich. O preço do produto não é problema, já que por lei os livros têm um preço único na Argentina.

– Quem estabelece o preço é o editor e esse preço deve ser respeitado tanto pelas pequenas livrarias como pelos shoppings – explicou Kremer.

O expressivo crescimento do turismo também ajudou a recuperar o mercado de livrarias portenho. A situação ainda não chegou aos níveis de 1998, um dos melhores anos do mercado editorial nacional, mas os números são cada vez melhores. Entre 2004 e 2005, assegurou o vice-presidente da Capla, a arrecadação das livrarias argentinas aumentou entre 20% e 30%."

Felipe Lindoso

As livrarias como centros culturais

"Não. Buenos Aires não tem mais livrarias que o Brasil inteiro. Afirmar o contrário, hoje, é apenas uma boutade que não vale há uns cinqüenta anos. Mas pode ter sido verdadeira na primeira metade do século XX, quando a indústria editorial argentina viveu seu período áureo, graças a um esforço pela educação que já durava décadas. A reforma universitária de 1919 já transformava radicalmente o ensino superior ali quando nós não tínhamos sequer uma universidade.

Essa superioridade, no entanto, é passado. Segundo informações do Cerlalc (Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe), a Argentina tem cerca de 800 livrarias instaladas, das quais 400 estão em Buenos Aires.

E no Brasil?

Os dados são precários. Só agora, por iniciativa do próprio Cerlalc, as entidades do livro brasileiras estão fazendo um cadastro das livrarias, cujo resultado ainda não foi publicado de forma consolidada.

Entretanto, a partir dos dados de distribuidoras, o número de ‘pontos de venda’ no país ultrapassa os 2.200. Dentro do conceito de livraria – espaço comercial que dedica ao livro uma atenção prioritária, ou pelo menos muito significativa – temos pelo menos umas 1.800. A metade disso no estado de São Paulo, cuja capital tem aproximadamente 200 livrarias. Rio de Janeiro está na faixa das 150 livrarias e o sudeste, em geral, está mais bem servido. O Acre e o Amapá são os que menos livrarias têm (3 cada um). É possível que esses números estejam subestimados, até porque alguns segmentos do mercado editorial (como o religioso e o escolar) usam pontos de vendas mais especializados.

É o suficiente para satisfazer o ego nacional?

Em termos absolutos, sim. Mas a grande questão não é essa. A pergunta real é: temos livrarias em número suficiente?

Temos aproximadamente uma livraria para 84.500 habitantes (os argentinos têm uma para 50 mil. Os EUA, uma livraria para cerca de 15 mil habitantes). Cidades com quase cem mil habitantes não têm nenhuma livraria – e tampouco bibliotecas decentes.

As causas dessa tragédia são várias, e só listá-las superaria o espaço disponível. Mas algumas são cruciais.

O governo federal tira das livrarias a venda de cerca de 25% de toda a produção de livros, pois os adquire diretamente das editoras. Essa prática, tomada em nome da racionalidade de custos, esquece o papel social da livraria e arranca do segmento um oxigênio indispensável para sua sobrevivência e saúde econômica. A prática governamental é agravada pela venda direta dos livros às escolas, feita pelas editoras. Tudo feito em nome da liberdade comercial e da racionalidade. Some-se ainda a compra direta nas editoras dos livros para as bibliotecas.

A concentração do mercado é outro fator preocupante. As grandes cadeias conseguem das editoras vantagens muito superiores às das livrarias independentes. Embora eu estime que cerca de 97% dos títulos sejam vendidos sem desconto, os 3% restantes são precisamente o que proporcionam o maior retorno para os livreiros e editores: são os best-sellers. Com mais vantagens, as cadeias conseguem dar descontos ao consumidor final, gerando tráfego nessas lojas e diminuindo o retorno das livrarias menores. E, ao contrário do que possa parecer, esses descontos produzem preços médios maiores para o conjunto dos livros ofertados, além de reduzir os estoques e a variedade de títulos em cada livraria. As editoras têm que buscar um retorno médio, um certo equilíbrio entre os best-sellers e os de venda mais lenta. Isso deveria ocorrer também nas livrarias, mas nas cadeias impera o best-seller de giro rápido.

As livrarias sempre foram financiadas pelas editoras. O modelo de negócio do mercado editorial brasileiro funciona com base no prazo e nos descontos dados pelos editores aos livreiros. Estes, por sua vez, não contam com outras fontes de financiamento. Mesmo o programa de financiamentos instituído pelo BNDES ano passado, para o mercado editorial, só beneficia as livrarias com o ‘cartão BNDES’, crédito rotativo limitado a R$ 50 mil.

É fundamental, portanto, recolocar as livrarias no circuito das compras governamentais para escolas e bibliotecas, estabelecer incentivos fiscais e creditícios para as pequenas e médias livrarias para que essas possam, de fato, se transformarem nos centros culturais que poderiam ser.

FELIPE LINDOSO é antropólogo, pesquisador de políticas públicas de cultura e autor de ‘O Brasil pode ser um país de leitores?’"



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O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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