Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O governante invisível

 

Um homem se tornou invisível para a mídia brasileira. Ele mora num palácio magnífico na Plaza Mayor, centro de Lima, se chama Ollanta Humala e é presidente do Peru. Entre os líderes dos demais países sul-americanos, os da Argentina, da Bolívia, do Equador e da Venezuela são presenças constantes na mídia jornalística do Brasil. Em comum, são tidos e havidos como inclinados a acossar a imprensa e/ou rezar pela cartilha do bolivarianismo chavista, seja lá o que isso for. O vizinho Peru recebe menos atenção do que o Equador, por exemplo, que não tem fronteira com o Brasil e cuja economia é menos do que metade da peruana.

Prognosticava-se que Humala faria um governo ainda mais radical, na contestação ao domínio criollo e à ingerência americana, do que seus homólogos sul-americanos. Ele é oficial reformado do Exército peruano. As Forças Armadas do Peru têm uma vertente seriamente preocupada com a incorporação do povo à república, como se sabe. Ou não se sabe mais, porque quem acompanhou o governo de Velasco Alvarado pertence a uma geração que vai se despedindo (ver, a propósito, “Radiografia do Peru. E de sua imprensa”, entrevista concedida em 2008 ao Observatório da Imprensa pelo professor Antonio Carlos Peixoto, falecido em julho).

Liberais e direitistas

Humala chefia o Partido Nacionalista Peruano. Nas eleições de 2011, teve como aliados os partidos Comunista, Socialista, Socialista Revolucionário e outros grupos de esquerda. Acontece que no segundo turno enfrentou Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, um presidente-ditador que está na cadeia depois de passar dez anos pintando e  bordando no poder.

Humala trocou sua casaca de guerreiro pelos elogios a Lula, que conduzira habilmente dois mandatos e elegera Dilma Rousseff para sucedê-lo. Liberais como o ex-presidente Alejandro Toledo e o escritor Mario Vargas Llosa o apoiaram para barrar Keiko, herdeira da popularidade paterna. Humala, que concorria pela segunda vez, ganhou por pequena margem e assumiu em julho. 

No governo, porém, segundo Sinesio López, ex-professor do presidente peruano e ex-assessor da presidência do Conselho de Ministros, em declaração ao correspondente do El País em Lima, Jaime Cordero (27/12/2011), Humala teve problemas para se aliar com os liberais e “cedeu à pressão da direita eleitoral e midiática”.

Teria sido essa guinada a razão do desinteresse da mídia brasileira? Desde o início do ano não saiu praticamente nenhuma notícia sobre o governo peruano. O Peru, no entanto, vive processos socioeconômicos de alta voltagem. O PIB do país cresce a uma média anual de 6,4% desde 2002, com inflação baixa e taxa de câmbio apenas ligeiramente apreciada. O índice de pobreza caiu 23 pontos percentuais em dez anos.

Mineração e Sendero

A mineração responde por 60% das exportações. E esse é um dos problemas de Humala. Segundo a revista The Economist, ela “está no coração do boom econômico do Peru na última década, mas grandes projetos de mineração nos Andes desencadeiam cada vez mais numerosos conflitos entre companhias, o governo e comunidades locais, que se preocupam com o impacto da atividade mineradora em suas terras e modo de vida, e frequentemente contam com a ajuda de ativistas de extrema esquerda” (23/6/2012).

Ao mesmo tempo, voltou a operar no sul do país o Sendero Luminoso, grupo armado maoísta que parecia ter sido reduzido à insignificância após a prisão de seus fundadores e líderes máximos, Abimael Guzmán e Elena Iparraguire, há 20 anos, e sua condenação à prisão perpétua — 70 mil pessoas foram mortas no rastro da truculência maoísta. Entretanto, outros dirigentes punidos com longas penas estão chegando ao termo de seu encarceramento. E há uma tentativa, que Humala combate, de conquistar a legalidade para o Sendero.

A poderosa Nadine

A correspondente no Brasil do jornal espanhol ABC, Verónica Goyzueta, que é peruana, acha que seu país aparece muito pouco na mídia brasileira. “Humala deu recentemente uma entrevista à imprensa estrangeira que não saiu em nenhum jornal brasileiro, mas os jornais europeus deram”, comenta.  

Goyzueta afirma que “a imprensa local é bastante livre e crítica em relação a este e a todos os governos passados”.  A jornalista diz que a popularidade de Humala caiu bastante nos primeiros 12 meses de governo, “uma queda que costuma acontecer com todos os presidentes peruanos, mesmo quando a economia vai bem, como é o caso agora”.

Há no Peru uma polêmica em torno da suposta participação da mulher de Humala, Nadine Heredia, no governo. Fala-se em governo compartilhado, tamanha a influência de Nadine, e chega-se a especular que Humala tentará mudar a Constituição para tornar possível uma candidatura da mulher à sua sucessão. O desinteresse da mídia brasileira é de tal ordem que praticamente ninguém noticiou a visita de Nadine à presidente Dilma Rousseff, em 23 de agosto.

Menos do que peripécias conjunturais e campanhas ideológicas, o que talvez explique a indiferença do jornalismo brasileiro diante da trajetória peruana é a dificuldade de olhar para o continente. Mesmo hoje, quando tantas distâncias foram superadas pelos meios de comunicação e transporte.