Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O grande varejão: assista, a gente paga!

Sem anunciantes de peso, a maioria das emissoras abertas acaba abrindo espaço para um grande número de pequenos anunciantes, na tentativa de aumentar seus ganhos. Mas o volume exagerado de inserções publicitárias está comprometendo conteúdo da programação, que vem sendo usado em favor do merchandising. As interrupções para o ‘recado’ do anunciante perderam o controle. E todos os limites, legais e de bom senso, foram ultrapassados. Mas, além de vender, estas mesmas emissoras já estão até comprando a atenção do telespectador.

Nunca se vendeu tanto na televisão brasileira! O abuso é geral: programas de variedades, novelas, programas infantis – ou o que restou deles, escapando apenas (e até quando?) os telejornais. A barra pesa mesmo nos programas de variedades, cujos principais objetivos deveriam ser informar e entreter, porém onde está faltando informação de qualidade, sobram informações recortadas, picadas por ‘recados’ de anunciantes que acabam não informando, perdendo o sentido, e pouco entretenimento de fato. Até mágica já foi interrompida no meio… (Hoje em dia, Rede Record).

Nas novelas, a coisa até pode parecer mais organizada! ‘Mas que não tem nada mais chato do que lá pelas tantas um personagem começar a falar dos benefícios de um determinado produto, sem que isto tenha qualquer coisa a ver com os rumos da trama, ah! Não tem mesmo!’. Até vendedora de cosmético já virou personagem fixo de novela (Páginas da Vida, Rede Globo). Mesmo sabendo que a legislação sindical dos atores/ atrizes regulamenta a prática (SATED/J) e que há um grande esforço por parte das emissoras, através de seus autores, para que a coisa pareça o mais natural possivel, seria muito melhor que novela fosse novela e que comercial fosse comercial!

Contagiadas pelo mesmo vírus

Colocar o comercial dentro do programa é uma estratégia para escapar do zapping – mudança constante de canal durante os intervalos comerciais – e pode servir, em diferentes formatos, para qualquer tipo de programa: esportes e filmes, entre outros. Sendo necessário apenas um anunciante querendo aparecer e uma emissora com vontade de faturar.

E se, além de vender, fosse possível comprar? Mas comprar o telespectador? Mantendo-o, assim, ligado em um determinado canal e/ou programa? É este o objetivo por trás dos cofres, malas, pastas e panelas (Hoje em dia, Rede Record); das palavras premiadas que surgem durante filmes e valem prêmios entre R$ 100,00 e R$ 10.000,00 (Sessão premiada, SBT), o número de telefone secreto que, também, premia (Atualíssima, TV Bandeirantes).

Mas se, além de vender e comprar, fosse possível fazer os dois – e ainda fazer o telespectador acreditar que vai sair ganhando? Quando e onde começou não se sabe, as emissoras estão, há algum tempo, contagiadas pelo mesmo vírus que pode atender por nomes diferentes: Lance perfeito (Rede TV!), Lance final (TV Bandeirantes), Super leilão (Rede Record), Lance Único (SBT). E a fórmula é a mesma: O telespectador, através de ligações telefônicas, maior por parte de celular, valor da ligação girando entorno de R$ 4,00 a R$ 9,00 (o minuto + impostos), pode ser premiado se der o menor valor único, uma espécie de leilão, onde pode comprar, ou ganhar, carros, apartamentos, viagens e outros prêmios.

Incômoda passividade

Esta forma de premiar o telespectador já foi alvo de investigação por parte do Ministério Público de São Paulo, que pretendia averiguar se seria esta mais uma forma de jogo de azar e a possibilidade de estar lesando o telespectador (Observatório da Imprensa). A investigação, pelo visto, não surtiu efeito algum e quem sai ganhando mesmo foram as próprias emissoras.

Não é preciso grandes análises para verificar que os excessos de inserções publicitárias na programação já ultrapassam os 25% permitidos por lei. Entretanto, o grande varejão em que se transformou grande parte das emissoras de televisão já começa a prejudicar o conteúdo de seus programas. É preocupante, mas, mais uma vez, pouco se vê de ação prática por meio dos órgãos a quem competiria a coibição deste tipo de abuso. E o que resta, por mais que se fale dos abusos, que os quantifiquem ou denunciem, é uma sensação incômoda de passividade.

Este artigo foi elaborado a partir de um incômodo pessoal. Por uma grata coincidência, o mesmo tema foi abordado pelo programa Ver TV (TV Câmara/ TV Brasil) do dia 03/07/2008.

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Crítica de televisão, Brasília, DF