A Folha perdeu as estribeiras. Ou a compostura. Arquivou a sutileza, o savoir-faire, botou para quebrar – já não esconde que deseja apenas fazer barulho. O jornal a serviço do Brasil assumiu o jornalismo-badalo, apelação. Recebeu o espírito da falecida irmã dos anos 60, a sensacionalista Folha da Tarde, e manda dizer que o esculacho está de volta.
No domingo (28/10), no alto da primeira página, sem provas, na base de uma informação policial off the record, o jornal acusou o padre Júlio Lancelotti de manter um relacionamento sexual com um ex-interno da Febem.
No dia seguinte, segunda-feira (29/10), também na primeira página, a Folhona ressuscita o Rolex roubado do televisivo Luciano Huck, agora com uma fanfarronada social de outra figura do showbiz, o cantor e compositor Zeca Baleiro.
A cretinice progressista do rapper Ferréz deu o que tinha para dar e, sossegados os freqüentadores do ‘Painel do Leitor’, os sensores do departamento de marketing indicaram que estava na hora de esquentar o jornal novamente.
‘Huck precisou ser roubado para atacar a exclusão social’, proclamou o excelso Zeca Baleiro na chamada da primeira página, remetendo ao artigo da nobilíssima página 3.
Na falta de pitbulls hidrófobos da extrema-direita, a Folha desta vez foi buscar um exemplar da New New-Left, padrão Pet Shop. O latido é o mesmo.
‘Vanguardismo muderno’
Enquanto o Estadão se esvai, a Folhona dissipa-se – este é o retrato da paulicéia midiática. O Estadão fica menos mal, empurrado pela força da gravidade, com um resquício de grandeza, mangas puídas, porém limpas. Já a rival, Folhona, escolheu o salto no escuro, o vanguardismo marron-glacé, sócio-pop, ‘muderno’.
Apesar das diferenças, o pensamento único, homogêneo, nivelado: em duas ocasiões da mesma semana os dois jornalões duplicaram suas manchetes. Na terça, 23/10 (o dia em que foi revelado o escândalo do leite fraudado), escolheram a mesma chamada principal na primeira página, com as mesmas palavras: ‘Remessa de lucros piora as contas externas’.
As almas-gêmeas exibiram-se novamente no sábado, 27/10, com fraseado ligeiramente diferente: ‘Ação da Bovespa sobe 52% na estréia (Folhona); ‘Ações da Bovespa sobem 52% no dia do lançamento’ (Estadão).
Ambos querem os mesmos mauricinhos e as mesmas patricinhas. Para esses leitores altamente qualificados é que os departamentos de publicidade das imobiliárias preparam anúncios de cinco páginas para vender edifícios de apartamento com nomes franceses em ruas ‘de um bairro tipicamente americano’.
Pagamento atrasado
No mesmo dia do retorno do jornalismo-badalo, a mesma Folhona, na mesma página 3, publica outra aberração: o artigo do imortal educador Arnaldo Niskier. Desta vez, o cachê demorou: geralmente as idiotices do lobista-chefe das universidades privadas são publicadas logo em seguida aos especiais produzidos pela Folha para agradar os barões da indústria do diploma.
O último, ‘Guia das Profissões’, saiu no domingo, dia 7/10, e o pagamento só veio agora, três semanas depois. Classificação: indecente. Recortaram-se depoimentos de profissionais liberais (e duas estrelas da equipe do jornal) para encher um tablóide de 24 páginas saturadas de anúncios e matérias promocionais sem qualquer validade jornalística, para atrair inocentes vestibulandos. A autoria da maioria das matérias é trambicada (Da Redação) e apenas três são assinadas – por colaboradores eventuais.
Na página A-6 da edição de domingo (28/10), o ombudsman Mario Magalhães reclamou das sucessivas manchetes dominicais produzidas na base de percentuais e dados estatísticos que não querem dizer absolutamente nada. Este observador agradece: o mesmo vem sendo dito aqui há meses.
Aguardemos as suas ponderações sobre o jornalismo-badalo.
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Jornalista