Todo mundo já assistiu a O Lobo de Wall Street com o ritmo frenético de século 21, os “fucks” pronunciados 569 vezes, a irrefreável orgia de drogas no mercado financeiro para manter a ganância alerta e as galopantes três horas de atrocidades éticas e morais. Afinal, normalidades da época de poder, competição e $$$$ que nos rodeia. Sem falar na indicação aos cinco Oscar de melhor diretor (Martin Scorcese), melhor ator (Leonardo DiCaprio), melhor ator coadjuvante (Jonah Hill), melhor filme e melhor roteiro adaptado. Na ficção, Scorcese, DiCaprio e Hill bem que merecem, mas na vida real os lesados na fúria de Jordan Belford pelo sucesso a qualquer preço querem processar a todos e a Hollywood.
Quem for assistir a Inside Llewyn Davis (Balada de Um Homem Comum), de Joel e Ethan Cohen, que estreou esta semana, sentirá até uma depressão eclodindo da tela dos anos 1960, a década em que o mundo virou de cabeça para baixo com a desobediência civil à guerra do Vietnam. “No, Mr Kennedy, eu não quero ir…”, dizia o refrão cantado por Llewyn na folk music, nesta época já na bica de perder espaço para os Beatles e o que estava por vir. Todo mundo pedia e dava carona à beira da estrada, todo mundo emprestava o sofá para os amigos sem teto ou emprego fixo, todo mundo dormia com todo mundo porque a liberação sexual tinha batido na porta das mulheres e era comum a gravidez de Joan (Carey Mulligan) sem que se tivesse certeza se o filho era do Llewyn ou do Mike (os atores Oscar Isaac e Justin Timberlake) ou do dono da casa de show. Um violão, um desapego às coisas materiais, um sonho de solidariedade e construção pessoal. Bem distante do mercado e (quem ainda aguenta?) do empreendedorismo que levou os heróis de O Lobo de Wall Street onde levou.
Matéria de fôlego
Recuem uma década e lá está Philomena (estreia em 14/2), no estágio em que as mães solteiras se encontravam no início dos anos 1950 e que o El País não cansa de denunciar nos últimos meses: meninas solteiras expulsas de casa e enviadas ao convento para terem os bebês longe da sociedade, pagar a “ajuda” com trabalho escravo para as freiras que, em seguida, vendiam os bebês aos americanos para nunca mais serem vistos. Este foi o caso real de Philomena Lee, na Irlanda. Como denunciou o El País, também na Espanha e em vários países católicos onde ainda se pode ver “a roda” para que mães solteiras depositassem o bebê indesejado e as religiosas o apanhasse do outro lado, sem que uma visse o rosto da outra. No Mosteiro da Luz do frei Galvão, em São Paulo, ainda há uma.
O feminismo já corria solto no Greenwich Village nova-iorquino na época da Jean de “Balada de um Homem Comum”. O movimento varreu o desespero das Philomenas de dez anos antes para reencontrar o filho doado, perdido. E as Philomenas não existem mais nas grandes cidades do século 21. Mas no filme de Steven Frears é interessante seguir até o fim a trilha do jornalista demitido da BBC. Martin Sixmith (nome real) era correspondente na Rússia e, acreditava, só hard news eram notícia. Matérias de interesse humano eram para os fracos e desinteressantes. “Escritas por jornalistas desimportantes para serem lidas por gente assim.” Afinal acabou aceitando o convite de uma revista para escrever a reportagem, onde a igreja e as religiosas ficam muito mal. E quem fica bem na fita é o tempo que o jornalista Martin Sixsmith teve na condução do caso para garimpar na Irlanda, na Inglaterra e nos Estados Unidos a sua história que virou reportagem, em seguida livro em 2009 e, agora, filme com quatro indicações ao Oscar – melhor filme, roteiro e trilha sonora e Judi Dench na categoria de melhor atriz.
Os três indicados ao Oscar montarão as peças de um jogo de vencedores e perdedores?
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Norma Couri é jornalista