Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O papel do rádio na fábrica da desconstrução

Desconstrução virou a palavra da moda. Foi muito utilizada para criticar a propaganda negativa do PT contra a candidatura Marina Silva. Como ando muito de táxi, acompanho diariamente as atividades de uma outra fábrica de desconstrução, bem mais antiga e poderosa, que não está no radar dos nossos analistas e da qual quase ninguém fala.

Refiro-me ao papel desempenhado pelas rádios nesta campanha eleitoral. Temos no país três rádios sediadas em São Paulo e que operam em rede nacional, dedicadas dia e noite a baixar a ripa nos governos e políticos progressistas de qualquer latitude.

Recrutados em sua maioria na mídia impressa, proliferam no dial os “comunicadores populares” e “comentaristas políticos e/ou econômicos” com um discurso que repete o pensamento único das suas empresas e não dá espaço para controvérsias: é pau no governo, desde que o governo não seja tucano.

Não importam o fato nem o assunto, você já sabe o que vai ouvir naquelas vozes indignadas de quem veio ao mundo para salvar a humanidade da danação eterna. Lembram aqueles pregadores do apocalipse que gritam na Praça da Sé, mesmo que ninguém pare para ouvi-los. Só que estes têm uma audiência seleta e cativa.

Propaganda permanente

Quando se fala de “conversa de motorista de táxi”, sempre que alguém conta uma história cabeluda, detonando alguma figura pública sem necessidade de comprovação, pode ter certeza que a matéria prima vem do que ele ouviu no rádio do carro, e nada mais é do que a reprodução do que divulgam estes comunicadores e comentaristas clonados em série.

Depois, seus passageiros vão repetir estas mesmas histórias nos botecos de esquina ou nas salas de espera, nos salões chiques ou nos pagodes, garantindo que são verdadeiras. Se você lhes perguntar de onde tiraram isso, vão dizer que ouviram no rádio (ou então que viram na internet, na retroalimentação das notícias multimídia). É o círculo vicioso da fábrica de desconstrução, que gerou a famosa lenda da “mansão do Lula no Morumbi”, repetida até hoje à exaustão pelos taxistas mais antigos.

Claro que não se pode generalizar, que há honrosas exceções à regra, e faço questão de citar como exemplos José Paulo de Andrade e Salomão Esper, ambos veteranos profissionais da Rede Bandeirantes, de quem muitas vezes posso discordar, mas sempre respeito. Não se trata de afinidade política ou ideológica, mas apenas de ter caráter e honestidade profissional.

Em épocas de beligerância eleitoral como estamos vivendo neste momento, muita gente subestima o poder do rádio e sua capacidade de multiplicação de boatos e infâmias, instrumento de propaganda permanente, geralmente a serviço do que há de mais conservador, reacionário e intolerante na sociedade.

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Ricardo Kotscho é jornalista